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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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206 diAcríticA<br />

as neves frias», segun<strong>do</strong> a qual Presente e Passa<strong>do</strong>, entendi<strong>do</strong>s como<br />

espaços <strong>de</strong> intersecção entre Tempo e Mito, se distinguem pelo facto<br />

<strong>de</strong> o Presente ser pre<strong>do</strong>minantemente tempo divino (Vénus, Diana,<br />

Vulcano); o Passa<strong>do</strong>, tempo humano (Actéon, Heitor, eneias, Creso,<br />

Sólon); e o Futuro, tempo da physis, da natureza (cf. estrofe 7). Com a<br />

ressalva <strong>de</strong> o movimento cíclico <strong>de</strong> retorno, sugeri<strong>do</strong> pela arquitectura<br />

<strong>do</strong> poema, operar possivelmente na última estrofe um movimento análogo<br />

ao que transformou o perfeito diffugere <strong>de</strong> Horácio no presente<br />

fogem, com Teseu e Pirítoo abrangi<strong>do</strong>s pela música uniformiza<strong>do</strong>ra,<br />

ainda que divina, <strong>de</strong> «agora». Isto se não optarmos antes por concluir<br />

que, em vez <strong>de</strong> «po<strong>de</strong>» no v. 63, <strong>de</strong>veríamos simplesmente ler «pô<strong>de</strong>»<br />

– na esteira, aliás, <strong>de</strong> Wilhelm Storck (1881: 193), que traduz «po<strong>de</strong>/<br />

pô<strong>de</strong>» pela forma pretérita konnte (recor<strong>de</strong>-se que não havia diferenciação<br />

gráfica rigorosa entre as duas formas no tempo <strong>de</strong> Camões 8 ).<br />

Adiante voltaremos a colocar esta hipótese.<br />

O perigo <strong>de</strong> estatismo – que o poema em princípio correria em<br />

virtu<strong>de</strong> da opção <strong>de</strong> só inflectir pela primeira vez o tempo verbal no<br />

final da estrofe 5 – é habilmente finta<strong>do</strong> por Camões, já que os verbos<br />

escolhi<strong>do</strong>s, pela sua própria semântica, <strong>de</strong>volvem ao texto uma ilusão<br />

vívida <strong>de</strong> movimento:<br />

estrofe 1: fogem, rever<strong>de</strong>cem, crecem, tecem;<br />

estrofe 2: espira, afia, suspira, chora, namora;<br />

estrofe 3: vai;<br />

estrofe 4: está queiman<strong>do</strong>, vão colhen<strong>do</strong>;<br />

estrofe 5: <strong>de</strong>ce.<br />

A entrada <strong>de</strong> Actéon na o<strong>de</strong>, com o que <strong>de</strong> tragicamente humano<br />

a tal figura se associa, acarreta várias mudanças. Uma <strong>de</strong>las acontece<br />

logo no verso seguinte, introduzin<strong>do</strong> o primeiro <strong>do</strong>s três pivôs que<br />

estruturam o <strong>de</strong>senvolvimento conceptual <strong>do</strong> poema: o advérbio assi<br />

(v. 26; os restantes pivôs são os <strong>do</strong>is porque no v. 36 e no v. 56). Até aí<br />

estivéramos em regime <strong>de</strong> justaposição paratáctica <strong>de</strong> acções divinas,<br />

eternas, tão alheias à incoação como a qualquer tendência <strong>de</strong> perfecti-<br />

8 Sobre o problema po<strong>de</strong>/pô<strong>de</strong> em Camões, leia-se a discussão inultrapassável<br />

<strong>de</strong> Rebelo Gonçalves (2002: 204-206). Na esteira das suas observações, recor<strong>do</strong> que,<br />

curiosamente, «pô<strong>de</strong>» surge na edição <strong>de</strong> 1572 <strong>de</strong> os lusíadas (tomo como exemplo o<br />

fac-símile <strong>do</strong> exemplar pertencente à Socieda<strong>de</strong> Martins Sarmento <strong>de</strong> Guimarães, magni-<br />

ficamente prefacia<strong>do</strong> por Vítor Aguiar e Silva) num passo em que claramente <strong>de</strong>vemos<br />

ler «po<strong>de</strong>». Cf. lus. II.31.8.

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