o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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singulAridA<strong>de</strong>s <strong>de</strong> umA moçA e nArcotizAção <strong>do</strong> Herói<br />
289<br />
Baltazar – o protagonista pe<strong>de</strong> à sua interlocutora que se <strong>de</strong>fina<br />
sentimentalmente em relação a ele – e sabe que as respostas que lhe<br />
dá, nomeadamente o «sim» à pergunta «– Achei livre o seu coração,<br />
Mécia?» (e apesar das reticências que acompanham a afirmação se<br />
aproximarem <strong>de</strong> um mas), só o po<strong>de</strong>m convencer <strong>de</strong> que é ama<strong>do</strong><br />
por ela. Mas mesmo quan<strong>do</strong> se esquiva à vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> fidalgo, que, em<br />
jeito <strong>de</strong> confirmação absoluta, queria que a moça jurasse o «sim» por<br />
alma <strong>de</strong> sua mãe, a morgada não po<strong>de</strong> senão estar ciente <strong>de</strong> que o<br />
argumento que invoca para <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhar o pedi<strong>do</strong> traduz mais um<br />
avanço flagrante na presunção cada vez mais eufórica <strong>de</strong> Baltazar.<br />
em rigor, dir-se-ia que se trata <strong>de</strong> um falso argumento, da<strong>do</strong> que não<br />
traz nenhuma explicação à recusa <strong>do</strong> juramento. Mécia não vai explicativamente<br />
além disto: «Não é preciso jurar...». Contu<strong>do</strong>, por simplória<br />
que seja a explicação que afinal se fecha a explicar o que quer que<br />
seja, registam-se nela sobrepostos os <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s que Mécia <strong>do</strong>mina,<br />
um <strong>do</strong>s quais escapa a Baltazar. Mécia não aceita prestar juramento,<br />
para mais em nome da mãe falecida, porque:<br />
a) o seu coração acha-se, <strong>de</strong> facto, livre. Nenhum rival <strong>de</strong> Baltazar<br />
ainda se interpôs. Logo, a jura seria <strong>de</strong>snecessária (senti<strong>do</strong> literal).<br />
De resto, aproveite-se para sublinhar que o coração <strong>de</strong> Mécia permanecerá<br />
sempre livre. A personagem nunca dará qualquer sinal <strong>de</strong><br />
sucumbir ao sentimento, manterá sempre uma perfeita imunida<strong>de</strong> à<br />
epi<strong>de</strong>mia amorosa que contagiará os seus sucessivos (e simultâneos)<br />
preten<strong>de</strong>ntes. em nenhuma altura manifestará o mais leve sintoma <strong>de</strong><br />
afecto genuíno;<br />
b) ao contrário da convicção <strong>de</strong> Baltazar, Mécia não se lhe entrega,<br />
sen<strong>do</strong> por isso que a morgada <strong>conto</strong>rna o juramento. Convém reparar<br />
então que o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta recusa arrasta consigo uma vantagem e, digamos<br />
assim, um nota curiosa. A vantagem, e trata-se <strong>de</strong> uma vantagem<br />
atinente à or<strong>de</strong>m textual, é a <strong>de</strong> que a recusa permite dar por certo ao<br />
leitor que Baltazar e Mécia não participam <strong>do</strong>s mesmos i<strong>de</strong>ais, e que<br />
a filha <strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong> Sampaio não está à altura da generosida<strong>de</strong> afectiva<br />
<strong>do</strong> morga<strong>do</strong>. quan<strong>do</strong> Mécia, perante a insistência <strong>de</strong> um Baltazar que<br />
já pressentimos irreversível na sua vertigem amorosa pela morgada,<br />
lhe diz «Não é preciso jurar...», fica como que certo que entre os <strong>do</strong>is<br />
não existe, por assim dizer, uma energia sentimental que circule reciprocamente;<br />
e, em consequência disso, fica ainda firma<strong>do</strong> que o obstáculo<br />
amoroso não vem <strong>de</strong> fora (por exemplo, da família), mas provém<br />
<strong>de</strong> uma manifesta <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> que gangrena no interior da relação e