o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r: umA i<strong>de</strong>iA <strong>de</strong> PoesiA omníVorA<br />
com a tradução ou as mudanças <strong>de</strong>sempenham um papel central nesta<br />
tomada <strong>de</strong> consciência, ao permitirem não dissolver as tensões que<br />
vêm justamente <strong>do</strong>s silêncios, das distâncias entre convenções e das<br />
impossíveis mudanças apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mudadas. É este conjunto <strong>de</strong><br />
questões que agora brevemente analisarei.<br />
existe um silêncio que se vai escreven<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1968 e o bebe<strong>do</strong>r<br />
nocturno, ao coligir «versões» redigidas entre 1961 e 1966. esse silêncio<br />
escrito prolonga-se em As magias. Versões <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r (1987) e<br />
nos três volumes publica<strong>do</strong>s em 1997, ouolof. Poemas muda<strong>do</strong>s para<br />
Português por <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r; Poemas Ameríndios. Poemas muda<strong>do</strong>s<br />
para Português por <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r e <strong>do</strong>ze nós numa corda. Poemas<br />
muda<strong>do</strong>s para Português por <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r. em qualquer um <strong>de</strong>stes<br />
volumes, o poeta parece repetidamente referir-se a conceitos <strong>de</strong> obra<br />
e <strong>de</strong> poesia que radicalmente recusam fronteiras nacionais, mesmo<br />
quan<strong>do</strong> se exprimem «em Português». Se isto parece ser um para<strong>do</strong>xo,<br />
penso que apenas o será para aquele que en<strong>do</strong>ssar uma noção austera<br />
daquilo que a literatura possa ser. Cito das palavras prévias que antece<strong>de</strong>m<br />
a publicação das «versões» <strong>de</strong> o bebe<strong>do</strong>r nocturno:<br />
Já me aconteceu imaginar a vida acrobática e centrífuga <strong>de</strong> um<br />
poliglota. Suponho o seu dia-a-dia anima<strong>do</strong> <strong>de</strong> um ininterrupto movimento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocações, transmutações, permutas e exaltantes caçadas<br />
<strong>de</strong> equivalências, sob o signo da afinida<strong>de</strong>. Vive das significações<br />
uspensas, da fascinação <strong>do</strong>s sons que convergem e divergem – e há nele,<br />
<strong>de</strong>certo, um <strong>de</strong>sespero sur<strong>do</strong>, pois que na <strong>de</strong>sunião <strong>do</strong>s idiomas busca<br />
a unida<strong>de</strong> improvável. Multiplican<strong>do</strong> as operações <strong>de</strong> propiciação da<br />
unida<strong>de</strong>, ele caminha irradiantemente para a dispersão. Descentra-<br />
liza-se. existe em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Babel. O seu pensamento, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
hebraico, dá um salto quase místico no latim e cai <strong>de</strong> cabeça para<br />
baixo no grego antigo. É um aventureiro completamente perdi<strong>do</strong>, o<br />
meu poliglota cheio <strong>de</strong> malícias linguísticas. Faz disparates <strong>de</strong>stes:<br />
verte <strong>de</strong> nauatle para esquimó, emocionan<strong>do</strong>-se em banto e pensan<strong>do</strong><br />
em chinês, um texto que o interessou por qualquer ressonância árabe.<br />
Também pega na palavra cravo e tradu-la para quinze línguas. O cravo é<br />
cada vez menos cravo. É uma colorida e abstracta proliferação sonora.<br />
então, ele junta ao cravo aramaico o adjectivo turco branco. encontra-se,<br />
neste momento, em plena vertigem paranóico-idiomática. É um<br />
perfeito irrealista – e eu amo-o, à distância.<br />
quanto a mim, não sei línguas. Trata-se da minha vantagem.<br />
Permite-me verter poesia <strong>do</strong> Antigo egipto, <strong>de</strong>sconhecen<strong>do</strong> o idioma,<br />
para o português. Pego no cântico <strong>do</strong>s cânticos, em inglês ou francês,<br />
como se fosse um poema inglês ou francês, e, ousan<strong>do</strong>, ouso não só um<br />
poema português como também, e sobretu<strong>do</strong>, um poema meu. Versão<br />
indirecta, diz alguém. Recriação pessoal, diz alguém. Diletantismo<br />
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