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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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54 diAcríticA<br />

ocioso, diz alguém. Não digo nada, eu. Se dissesse, diria: prazer. O meu<br />

prazer é assim: <strong>de</strong>ambulatório, ao acaso, por súbito amor, projectivo.<br />

Não tenho direito algum <strong>de</strong> garantir que os textos <strong>de</strong>ste livro são<br />

traduções. Diria: são explosões velozmente laboriosas (Hel<strong>de</strong>r, 1973:<br />

209-210).<br />

Pelo que conserva <strong>de</strong> implicações, explícitas ou não, para as<br />

versões que antece<strong>de</strong> em o bebe<strong>do</strong>r nocturno, trata-se <strong>de</strong> um texto<br />

notável, que não apenas dá conta <strong>do</strong> olhar sobre os textos a partir <strong>do</strong>s<br />

quais <strong>Herberto</strong> trabalha para fazer as suas versões mas ainda, em não<br />

menor grau, sobre o que ele consi<strong>de</strong>ra ser o seu próprio mo<strong>do</strong> poético.<br />

Algumas <strong>de</strong>ssas implicações regressarão ao longo <strong>de</strong>ste ensaio. Outras<br />

<strong>de</strong>ixá-las-ei apenas aqui apontadas. A primeira parece-me ser o reconhe-<br />

cimento da significativa escolha <strong>de</strong> culturas especialmente silenciosas<br />

no contexto português. <strong>Herberto</strong> usa textos e tradições <strong>do</strong>s Ameríndios,<br />

Finlândia, Antigo egipto, cultura árabe e árabe-andaluz, In<strong>do</strong>nésia,<br />

esquimó, etc. Ao activamente procurar estes lugares <strong>de</strong> silêncio<br />

entre culturas, há algo que é muda<strong>do</strong>, e não é apenas nas linhas explicitamente<br />

traduzidas e publicadas. Vejamos por exemplo o que diz em<br />

ouolof, a propósito <strong>de</strong> um poema <strong>do</strong>s Índios Caxinauá:<br />

Temos diante <strong>de</strong> nós uma po<strong>de</strong>rosa dicção mítica, mágica, lírica,<br />

transgredin<strong>do</strong> em todas as frentes a norma da palavra portuguesa.<br />

este transtorno faz-se ele mesmo e imediatamente substância e acção<br />

poéticas (…). Do <strong>de</strong>scentramento <strong>de</strong> estrutura entre as duas línguas<br />

– capta<strong>do</strong> como legitimida<strong>de</strong> poética – advém por si só uma força<br />

expressiva instantânea em português, um português <strong>de</strong>sarruma<strong>do</strong>,<br />

erra<strong>do</strong>, liberta<strong>do</strong>, regenera<strong>do</strong>, recria<strong>do</strong>. A fala anima-se com uma energia<br />

material jubilante. É novíssima. (Hel<strong>de</strong>r, 1997: 44)<br />

Não é difícil perceber o que aqui temos: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma poesia<br />

capaz <strong>de</strong> trazer para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, e da sua tradição, aquilo a que<br />

<strong>Herberto</strong> chamará, algumas linhas mais à frente, o «erro feliz» (i<strong>de</strong>m,<br />

45), que «transtorna», «<strong>de</strong>sarruma», mas por isso mesmo «regenera»:<br />

por isso o confronto com estas tradições tão ostensivamente outras<br />

é <strong>de</strong>cisivo, porque aquilo que nelas é outro permite também com-<br />

preen<strong>de</strong>r aquilo que parecia ser o mesmo no mesmo, e afinal não era.<br />

Voltamos a Camões e à Bíblia.<br />

em segun<strong>do</strong> lugar, os poemas e as versões <strong>de</strong> o bebe<strong>do</strong>r nocturno<br />

têm uma relação também ela tensa com o pessoal corpus poético <strong>do</strong><br />

autor. em 1973 fazem parte, como vimos, <strong>de</strong> Poesia toda. este gesto<br />

integra<strong>do</strong>r <strong>de</strong>saparecerá <strong>de</strong> posteriores reuniões (é interessante seguir

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