o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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146 diAcríticA<br />
tivo <strong>do</strong> imaginário <strong>do</strong> poema. Clau<strong>de</strong>l refere-se a Victor Hugo dizen<strong>do</strong><br />
que, num <strong>do</strong>s seus gran<strong>de</strong>s poemas, «A Villequier», surgem <strong>do</strong>is movimentos<br />
a partir <strong>de</strong> «Maintenant que…» e «Considérez…»; e Mallarmé<br />
dissera-lhe que queria pontuar o seu garn<strong>de</strong> poema tipográfico por<br />
«Si tu». esta atenção aos la<strong>do</strong>s menos visuais e imagísticos é importante<br />
porque é ela que nos permite entrar nesse caminho respiratório<br />
<strong>de</strong> uma apresentação lógica da própria construção poética.<br />
No primeiro poema <strong>de</strong> «O poema contínuo» <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r<br />
po<strong>de</strong>mos encontrar um exemplo interessante <strong>de</strong>ssa estrutura gramatical.<br />
Depois <strong>de</strong> um início paralelístico:<br />
No sorriso louco das mães batem as leves<br />
gotas <strong>de</strong> chuva. Nas amadas<br />
caras loucas batem e batem<br />
os <strong>de</strong><strong>do</strong>s amarelos das can<strong>de</strong>ias.<br />
que balouçam. que são puras.<br />
Gotas e can<strong>de</strong>ias puras. (Hel<strong>de</strong>r, 2008: 5)<br />
Há uma toada repetitiva em no sorriso / nas amadas, batem/e<br />
batem, que balouçam / que são puras, que vai abrir caminho:<br />
em primeiro lugar à repetição <strong>de</strong> duas imagens: gotas e can<strong>de</strong>ias<br />
(remeten<strong>do</strong> já para planos <strong>de</strong> significação mais complexos, através da<br />
ligação à água e ao fogo);<br />
em segun<strong>do</strong> lugar, à construção coor<strong>de</strong>nativa, numa forma<br />
expressiva que vai buscar a um momento arcaico da língua (a poesia<br />
medieval) o seu referente: «e as mães», «e as calmas mães intrínsecas»,<br />
«e as mães são cada vez mais belas», «e a sua cara»; «e as mães são<br />
poços <strong>de</strong> petróleo», terminan<strong>do</strong> em «e os filhos», «e o filho»; até à<br />
síntese em que «e através <strong>de</strong>le a mãe mexe aqui e ali» e «e através da<br />
mãe o filho pensa». esta forma pouco «actual», da<strong>do</strong> que a complicação<br />
sintáctica vai permitir na linguagem contemporânea um outro<br />
tipo <strong>de</strong> formulação mais con<strong>de</strong>nsada, <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>ssa aproximação<br />
entre essa estrutura paralelística que evoca as cantigas <strong>de</strong> amigo e a<br />
linguagem das crianças, também assente na relação coor<strong>de</strong>nativa das<br />
imagens, <strong>do</strong>s objectos e das frases.<br />
É portanto um fun<strong>do</strong> rítmico que esta constante gramatical vem<br />
trazer, articulan<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> lógica <strong>de</strong> uma expressão figurativa e<br />
racional com o mo<strong>do</strong> sintético e sincopa<strong>do</strong> da polarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens<br />
<strong>do</strong> poema. Isto traz um outro aspecto que é <strong>de</strong>cisivo na distinção entre<br />
poesia e prosa: por um la<strong>do</strong>, o ritmo que tem esta dupla relação com o<br />
mo<strong>do</strong> como o homem se relaciona com a respiração e com o próprio<br />
ciclo natural, e por outro la<strong>do</strong> um raciocínio «não natural», em que a