Baixar - Proppi - UFF
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mente as experiências coletivas de congraçamento e religiosidade. Passo agora a uma exposição<br />
dessas atividades, orações, sermões, festas, guardando para o próximo capítulo um exame<br />
mais detalhado da codificação religiosa racionalizada da comunidade, focando aqui seus contornos,<br />
funcionamentos e efeitos.<br />
A fim de pensar algumas das consequências sociais da codificação religiosa da comunidade,<br />
parto da posição interpretativa sugerida por Silvia Montenegro, de que a comunidade<br />
muçulmana carioca estabelece um conjunto de formulações (doutrinas, rituais) voltado para<br />
dentro da comunidade, constituindo-se enquanto tal, assim como estabelece um conjunto de<br />
formulações que se referem ao que está fora dessa comunidade (Montenegro 2000:54-64).<br />
Esses dois tipos de construção compõem a comunidade porque a definem tanto em si e para si<br />
– o que ela é para ela mesma – como para fora, aquilo que ela não é, de quem se diferem e se<br />
distinguem. Nenhuma comunidade pode apenas ‘ser’. Deve também ‘não ser’. Independente<br />
de que configuração venha a ter uma dada codificação religiosa, trata-se sempre de constituir<br />
sentimentos de identificação e pertencimento a determinada comunidade religiosa e se posicionar<br />
frente às diferenças constitutivas do campo do qual se faz parte 22 . As configurações da<br />
codificação religiosa indicam por quais estratégias discursivas e escolhas a comunidade procede<br />
para se posicionar e comunicar aos Outros – sempre há Outros 23 .<br />
A maneira como uma comunidade religiosa organiza suas formas de constituição interna<br />
passa pela elaboração de mecanismos disciplinares (Asad 1993:130-5), um conjunto de<br />
saberes e procedimentos que produzem efeitos de subjetivação nos sujeitos religiosos, compondo<br />
o habitus religioso (Bourdieu 2004) da comunidade.<br />
Como afirma Paulo Pinto, os mecanismos disciplinares que os intelectuais da SBMRJ<br />
constituíram nesse contexto (sermões, cursos, textos normativos, etc.) produziram aquilo que<br />
Eickelman & Piscatori (1996:48) denominam processo de “objetificação” da tradição islâmica,<br />
“criando um sistema religioso ‘purificado’ de práticas culturais e sociais, que passa a<br />
servir como referência normativa consciente para a vida do fiel.” (Pinto 2005:233).<br />
Passo agora a analisar esses mecanismos que compõem a comunidade internamente,<br />
que formam consenso e buscam resolver dissensos, mas que se referem às dinâmicas particulares<br />
de seu funcionamento. Na parte final do capítulo discuto os mecanismos constituídos na<br />
comunidade carioca que funcionam para posicioná-la no contexto local e mais amplo da soci-<br />
22 “Dicho campo, por otra parte, no es un espacio neutro de relaciones interindividuales sino que está estructurado<br />
como un sistema de relaciones en competencia y conflicto entre grupos situaciones en posiciones diversas<br />
[…].” (Bourdieu, 2002:5)<br />
23 Montenegro (2000:53): “Analisamos também, ao considerar a relação entre o Islam e seus outros externos,<br />
certas ‘anti-características’ que o grupo teria em relação a um suposto substrato da religiosidade brasileira.”<br />
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