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Baixar - Proppi - UFF

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Sobre o espaço acarpetado, é importante considerar o uso desse espaço que pais e mães fazem<br />

para a socialização religiosa em seus filhos e outras crianças. Em primeiro lugar, a liberdade<br />

das crianças. De um modo geral, o senso comum estabelece um tipo de imagem sobre a presença<br />

e comportamento de uma criança em um espaço ou templo religioso, com a qual, inevitavelmente<br />

me municiei ao perceber de que modo essa relação se efetivava na mesquita. Nada<br />

poderia ser mais distante do senso comum não muçulmano que a liberdade das crianças na<br />

mesquita. Inevitavelmente estou partindo de um senso comum presente em meu imaginário; a<br />

imagem da mãe a todo o momento repreendendo o filho, exigindo silêncio, decoro e quietude<br />

a qualquer custo em uma cerimônia religiosa não descreve o quadro na mesquita. Na expressão<br />

de Barth (1989:3-4), tal imagem é agramática, já que se espera que a criança circule amplamente<br />

pelo espaço da mesquita. Inicialmente tive dificuldades de assimilar esse tipo de<br />

postura frente ao comportamento das crianças.<br />

Por inúmeras vezes durante a pesquisa, sentei-me ao tapete com algumas crianças enquanto<br />

os pais rezavam suas orações coletivas. Buscava inutilmente aquietar as indomáveis<br />

crianças que corriam, brincavam e, muitas vezes gritavam pelo salão. Meu incômodo com<br />

aquela situação certamente transpareceu aos pais, até que Sami, um dos diretores da SBMRJ,<br />

dirigiu-se a mim, em tom tranquilizador: “Mauro, não se preocupa, porque eles não atrapalham<br />

a gente. Você pode deixar eles correrem à vontade. Só toma conta pra ver se eles não<br />

vão fazer algo perigoso, ou se machucar, algo assim... fora isso, fica tranquilo, deixa eles correrem.”.<br />

A liberdade é consentida, sem ser, no entanto, livre de mecanismos que a regulem.<br />

Em diversas outras situações o assunto voltava, fosse porque mencionava minha surpresa<br />

com aquele tipo de situação e a diferença com outras realidades, fosse porque os limites<br />

tácitos existentes eram quebrados. A justificativa para essa prática vem de uma passagem da<br />

vida do profeta Muhammad na qual a liberdade da criança no espaço de oração é ilustrada por<br />

sua atitude com um de seus netos. A passagem me foi contada por um dos funcionários da<br />

sociedade, Fernando, jornalista, convertido há pouco mais de três anos naquele momento, que<br />

trabalha no departamento educacional. A história se conta dessa maneira: certa vez na mesquita<br />

de Medina, o profeta liderava uma oração quando, em uma das genuflexões, um de seus<br />

netos sentou-se em seu pescoço, impedindo-o de levantar. Vários minutos se passaram com o<br />

profeta prostrado e os outros fiéis começaram a se perguntar o que se passava. Quando finalmente<br />

a criança saiu de seu pescoço, a oração seguiu normalmente, mas o profeta foi questionado<br />

sobre o que havia acontecido, e se se tratava de uma nova forma de orar, ao que respondeu<br />

simplesmente que ele apenas havia esperado o neto sair de seu pescoço, visto que ele não<br />

desejava incomodá-lo em suas brincadeiras. Esta passagem ilustra e justifica a liberdade de<br />

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