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eligião] parece chamada antes a se transformar do que a desaparecer.” (Durkheim 1996:477).<br />
Isto porque a ciência não é capaz jamais de fazer a religião desaparecer, na medida em que a<br />
ciência não pode fornecer a moralidade, os valores éticos, a coesão que a religião produz.<br />
No clássico “Algumas formas primitivas de classificação”, escrito em conjunto com<br />
seu ilustre sobrinho Marcel Mauss (Durkheim & Mauss 1903), Durkheim propõe uma origem<br />
social para as categorias do entendimento humano – orientações de tempo, espaço, gênero,<br />
espécie, causa, quantidade, substância. A formação kantiana de Durkheim conduz suas preocupações<br />
para as categorias que fundamentam o pensamento humano, sua organização lógica<br />
e a categorização da realidade. Duas diferenças fundamentais entre Durkheim e Kant precisam<br />
ser marcadas, no entanto. Em primeiro lugar, o que são as categorias; em seguida, a sua<br />
origem. Durkheim parte do escopo investigativo kantiano, mas propõe soluções diversas. Em<br />
primeiro lugar, parte do conjunto de categorias aristotélicas, e não da tábua de categorias de<br />
Kant. A principal diferença é que se em Aristóteles tempo e espaço são categorias do ser –<br />
‘coisas ditas sem combinação’ – (Aristóteles 1999:93), em Kant tempo e espaço são intuições<br />
sensíveis que produzem os fenômenos a serem enquadrados pelas categorias (Kant<br />
1999:73ss 36 ). Em Aristóteles temos 10 categorias – tempo, espaço, substância, quantidade,<br />
qualidade, relação, posição, posse, ação, paixão ou passividade. Em Kant, 12, divididas em 4<br />
módulos: 1- quantidade: unidade, pluralidade, totalidade. 2- qualidade: realidade, negação e<br />
limitação. 3- relação: substância, causalidade e mútua relação. 4- modalidade: possibilidade,<br />
existência e necessidade.<br />
Para além dessa diferença básica entre o quadro de categorias do qual Durkheim fará<br />
uso, há outra diferença importante entre ele e Kant, e diz respeito precisamente à origem dessas<br />
categorias, o que é de vital interesse para o conjunto de questões de que me ocupo no presente<br />
trabalho – qual é a origem dessas categorias e o alcance e fundamento da racionalidade<br />
humana?<br />
Se em Kant essas categorias são apriorísticas, inatas ao ser humano – ao que Hegel,<br />
por exemplo, irá contrapor uma origem histórica dessas categorias –, em Durkheim as categorias<br />
têm origem social, de modo que antes de serem as categorias o a priori fundamental e<br />
absoluto, é a própria sociedade o fundamento do pensamento humano, o verdadeiro a priori.<br />
No modelo durkheimiano, a religião é a base da vida em sociedade porque é a própria<br />
sociedade o objeto da experiência religiosa. “Se a religião engendrou tudo o que há de essencial<br />
na sociedade, é que a ideia de sociedade é a alma da religião.” (Durkheim 1996:462). Mas<br />
36 “Tempo e espaço são, portanto, duas fontes de conhecimento das quais se pode tirar a priori diferentes<br />
conhecimentos sintéticos […].” (Kant 1999:81)<br />
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