Baixar - Proppi - UFF
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O trabalho de Jack Goody é fundamental nessa reflexão a respeito das formas de organização,<br />
codificação e transmissão de conhecimento. Sua preocupação com a razão gráfica e<br />
seus efeitos na organização da vida em sociedade e do pensamento humano (Goody<br />
2006[1963]; 1988) o levam a propor o surgimento da escrita como divisor na história do pensamento<br />
humano, já que a transformação da oralidade em texto escrito, graficamente representante<br />
de ideias que até então circulavam pela fala, organiza o pensamento, o torna não<br />
simplesmente universal, mas universalizável porque descontextualizado, impessoal, abstrato.<br />
A redação organiza o pensamento. Nesse sentido, o pensamento que funciona pela escrita não<br />
apenas dispõe de uma nova forma de comunicação, mas precisamente permite a transformação<br />
do próprio conteúdo do que é pensado e registrado pela escrita. Forma escrita e conteúdo<br />
cognoscível estão mutuamente implicados.<br />
Além disso, há os trabalhos de Clifford Geertz (1971;1973), em que a religião é apresentada<br />
como uma forma de conhecimento, um sistema cultural, organizando toda a forma de<br />
percepção da realidade. De acordo com sua posição, a religião não apenas é um incremento<br />
para a realidade, um enfeite a realçar determinados aspectos – em geral considerados secundários<br />
e de menor importância –, mas propriamente um modelo para tal ordem de realidade.<br />
“[…], mais do que enfeite, tais crenças são também modelos. Eles não apenas interpretam<br />
processos sociais e psicológicos em termos cósmicos – o que as tornariam filosóficas, não<br />
religiosas – mas as conformam.” (Geertz 1973:124) 64 . Assim, temos uma forma de conhecimento<br />
do mundo, mas também uma forma para o conhecimento do mundo. Nessa sua proposta<br />
de pensar a religião como sistema cultural, Geertz permite compreender o fenômeno religioso<br />
em suas mais variadas formas de influência, passando da psicológica – no que se refere às<br />
manifestações em indivíduos particulares – à social, referindo-se à esferas mais amplas da<br />
realidade, mas precisamente também permitindo que os mais variados fenômenos estejam sob<br />
a ação do fenômeno religioso.<br />
A preocupação com processos cognitivos e mnemônicos é importante na discussão dos<br />
modos de codificação e transmissão do conhecimento religioso. A exposição que faço nos<br />
capítulos seguintes funda-se nessa proposta de Whitehouse de divergentes modos de religiosidade,<br />
estando claro que o Islã é um perfeito exemplo do modo semântico. Isto não significa,<br />
como dito acima, que o Islã não apresente configurações imagísticas. Vertentes históricas<br />
importantes do Islã, como o sufismo, lidam com formas de conhecimento religioso doutrinais<br />
64 No original: “[…]more than gloss, such beliefs are also a template. They do not merely interpret social and<br />
psychological processes in cosmic terms—in which case they would be philosophical, not religious—but they<br />
shape them.”<br />
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