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Baixar - Proppi - UFF

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mesquita um pouco mais tarde do que costumava, por volta de 11h20min da manhã, e a frequência<br />

já era alta.<br />

A insólita visitante já se encontrava no salão, exatamente comprando e comentando,<br />

com alguma exaltação e elevação do tom de voz, os produtos da banca dirigida por Idriss. A<br />

situação já causava algum constrangimento pelo volume e contundência das afirmações e interferências.<br />

Por vezes a visitante ‘corrigia’ o que lhe explicava Idriss, perguntando, por e-<br />

xemplo, o nome do rosário – masbah, entre outros nomes possíveis 36 – ou de um enfeite masculino<br />

em forma de boné – taqiyah – que ali se vendia, e afirmava contundentemente retrucando<br />

a resposta do atendente: “Não, não é isso. É...” e completava com outro nome, que seria<br />

o mais correto. Mais importante, no entanto, do que saber se o nome que ela mencionava é<br />

correto ou não, é a postura incisiva, arrogante e deselegante com que se dirigia ao atendente<br />

da banca.<br />

Em dado momento, há um desentendimento por conta do valor total da compra. Ao<br />

que parece, Idriss erra nos cálculos e cobra a mais. A mulher reclama, as contas são refeitas,<br />

descobre-se o erro, mas não há mais nada que controle a mulher. Inicia-se uma discussão, a<br />

mulher reclamando do ‘roubo’ que estava sofrendo, Idriss se desculpando, outros membros<br />

tentando fazer a mulher se acalmar. Por fim, Idriss, um negro não muito alto, magro e esguio,<br />

de dentes muito brancos e um sorriso simpático, muito gentil e sereno, nada mais fala. Mantem-se<br />

em silêncio, enquanto a senhora que havia levado a visitante à mesquita pede calma. O<br />

tom da visitante rapidamente passa de uma reclamação rigorosa a um ataque enraivecido, com<br />

frases do tipo “Isso só podia dar errado, eu sabia. É um absurdo, mexer com dinheiro junto<br />

com religião! Que absurdo. Nunca vi tratar de dinheiro junto com Deus.” Nenhum pedido de<br />

calma surtia o menor efeito. A indignação da mulher aumenta, a paciência da senhora diminui,<br />

até que um frequentador se incomoda com as frases extremamente ofensivas da visitante,<br />

levanta e se dirige a ela, pedindo respeito: “Senhora, por favor, mais respeito. Isto aqui é a<br />

casa de Deus. Por favor, mais respeito, mais respeito.” A menção à casa de Deus parece indignar<br />

ainda mais a mulher, que se dirige ao escaninho, deposita suas sandálias, calça rapidamente<br />

os sapatos e esbraveja: “Casa de Deus? Casa de Deus!? Isso aqui tá mais é pra casa do<br />

demônio. É por isso que tá cheio de homem bomba e terrorista por aí.” E saiu, batendo o portão<br />

atrás de si. A senhora que havia trazido a visitante pede desculpas, imediatamente recusadas<br />

por todos, que alegavam não haver porque se desculpar. Tratava-se de um grande mal<br />

fora do escopo de minha etnografia, não posso descrever como esse envolvimento da mulher com a comunidade<br />

se procedeu nos meses seguintes ao do conflito que descrevo.<br />

36 O rosário islâmico pode ganhar muitos e variados nomes, dependendo da região de referência. Masbah é o<br />

nome que circula na comunidade sunita carioca.<br />

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