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Baixar - Proppi - UFF

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Experimentei como forma de conhecimento etnográfico um dia e meio de jejum durante o<br />

sagrado mês do Ramadan. Ao primeiro dia jejuei apenas pela tarde, intencionando o jejum<br />

somente depois de chegar à mesquita. Jejuei intencionalmente no segundo dia.<br />

No primeiro dia cheguei à mesquita por volta de 14h e não havia almoçado, de modo<br />

que fiquei praticamente o dia todo sem comer, embora sem a intenção completa. Resolvi jejuar<br />

depois que cheguei à mesquita e não tive coragem, em seguida nem vontade, de deixar<br />

meus companheiros para fazer qualquer refeição. No segundo dia tinha compromissos na universidade<br />

e aproveitei a situação para jejuar 43 .<br />

Nesse segundo dia, precisamente por ter seguido a recomendação dos muçulmanos de<br />

levar um dia normal ao manter o jejum, por duas vezes estive perto de quebrá-lo, tentado pela<br />

sede. Por duas vezes, aplacado pela imensa sede que sentia já perto de meio-dia de uma tarde<br />

primaveril em pleno setembro no Rio de Janeiro, segui em direção a um bebedouro no campus<br />

da universidade. Nas duas vezes lembrei-me a tempo e mantive o jejum. Essa situação<br />

aponta para um dos exercícios que um muçulmano – especialmente um recém-convertido –<br />

necessita realizar constantemente: a estrita auto vigilância. Ao proceder ao jejum, como fiz na<br />

primeira tarde, em um espaço como o da mesquita, onde todos estão sob a mesma condição de<br />

jejuantes, o autocontrole diminui, não tanto porque outros estarão prontos a vigiá-lo e impedilo<br />

de quebrar o jejum, senão porque a própria conjuntura, o ambiente, a conversa, em suma,<br />

tudo conspira para que a tentação seja mais tênue. A sede e a fome me atingiram fortemente<br />

nos dois dias, o que me pareceu desde o início inevitável e natural, embora a sede tenha sido<br />

mais intensa, provavelmente por causa do calor. Mas a possibilidade de sair do estado de controle<br />

e vigilância e inconscientemente quebrar o jejum acaba por se tornar menor. Fora de um<br />

espaço onde todos rumam para um mesmo objetivo compartilhado, o exercício se torna mais<br />

árduo, não apenas porque podemos desistir da tarefa, mas porque ficamos em condição de<br />

sermos traídos pela memória.<br />

A resposta de membros da comunidade a esse enfrentamento da consciência com a<br />

memória e a intenção do ato de jejuar aponta para um mecanismo de intenção racional que<br />

regula os atos do muçulmano. Ao chegar à mesquita e mencionar o fato de quase ter quebrado<br />

o jejum, Samir, França e Gabriel afirmaram quase em uníssono que, caso bebesse, não seria<br />

quebra do jejum. Caso não houvesse me lembrado a tempo, afirmaram, teria sido obra de<br />

Deus, sabendo Ele que, de outro modo, eu não resistiria. “Se você tivesse bebido a água, e no<br />

segundo gole se lembrado, você poderia manter o jejum, porque Deus te lembrou quando vo-<br />

43 Estive no campus da <strong>UFF</strong> no Gragoatá entre 10h00min e 12h00min, resolvendo problemas burocráticos. De lá,<br />

segui para a mesquita.<br />

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