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Baixar - Proppi - UFF

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cação de infortúnios, sendo a crença na bruxaria o substrato ideológico desse sistema. Uma<br />

vez que lida com infortúnios, lida com seres humanos em suas múltiplas relações entre si.<br />

Portanto a bruxaria faz sentido na medida em que torna significativas as relações sociais. Suas<br />

premissas são sócio-lógicas, lógicas, racionais e coerentes, dadas as premissas culturais básicas.<br />

Sua validade não é apenas como explicação no plano das relações sociais, mas é também<br />

uma filosofia natural, vinculando homens em suas relações e os eventos naturais. A bruxaria<br />

não é sobrenatural, é natural, explica. Seu procedimento explicativo não é místico, por supostas<br />

noções de participação ou qualquer outra conexão excêntrica.<br />

Portanto, um zande que sofre um infortúnio imediatamente especula sobre quem tem<br />

probabilidade de odiá-lo. […]<br />

As consultas oraculares, assim, exprimem histórias de relacionamentos pessoais,<br />

pois em geral um indivíduo só coloca diante do oráculo os nomes daqueles que o<br />

poderiam ter prejudicado em razão de algum acontecimento determinado que, em<br />

sua opinião, motivou a inimizade de tais pessoas. Frequentemente é possível, por<br />

meio das perguntas corretas, fazer remontar a apresentação de um nome diante de<br />

um oráculo a algum incidente passado. (Evans-Pritchard 1976:73)<br />

De acordo com a descrição de Evans-Pritchard, a noção de bruxaria estabelece uma<br />

cadeia causal entre acontecimentos naturais e sujeitos sociais. Ela não é a única causa acionada<br />

para explicação, mas explica como duas cadeias causais coincidem no fluxo espaço-tempo.<br />

A bruxaria explica ‘porque’, o que é mais significativo no plano da relações sociais, mais do<br />

que ‘como’. Os azande sabem como (causalidade natural), mas sabem também porque. “A<br />

bruxaria explica porque os acontecimentos são nocivos, e não [apenas] como eles acontecem.”<br />

(Evans-Pritchard 1976:54). A filosofia zande da bruxaria como explicação de infortúnios<br />

busca por razões (socialmente) suficientes, e não por causas (naturais) eficientes, à moda<br />

aristotélica. Ela abrevia a cadeia de eventos e relaciona a causa socialmente relevante, que<br />

será a bruxaria porque é a única que permite intervenção, determinando o comportamento<br />

social. Sem relação (social), não há intenção (subjetiva), o que explica porque não se pode<br />

acusar de bruxaria um príncipe, sendo você um plebeu. Não há, nesse caso, relação fora de<br />

uma hierarquia que impede a associação entre o evento e a vontade. “Desse modo vemos que<br />

a bruxaria tem sua lógica própria, suas próprias regras de pensamento, e que estas não excluem<br />

a causalidade natural.” (Evans-Pritchard 1976:59). O modus operandi dos eventos naturais<br />

pode até vir a ser, em alguma medida, ignorado, mas o porquê do funcionamento é conhecido<br />

na medida em que é socialmente relevante.<br />

Evans-Pritchard é contundente e consistente em sua crítica etnográfica da teoria levy-<br />

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