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Baixar - Proppi - UFF

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afetados não podem falar a respeito’ (Favret-Saada 1978:12-23)<br />

Eis que, portanto, a captura que sofri não foi da ordem da crença e adesão definitiva,<br />

mas foi além do simples incorporar de trejeitos idiossincráticos. Embora tenha assimilado<br />

hábitos e incluído objetos referidos à comunidade em minha esfera cotidiana, como os já<br />

mencionados tapetes de oração, a caligrafia árabe exercitada nos espelhos de casa ou cumprimento<br />

com um salam, fui capaz, com o passar do tempo, de proceder um determinado conjunto<br />

de operações mentais, juízos de valor e estéticos que foram tornando minha experiência<br />

particular da pesquisa mais densa (Geertz 1973:cap.1) por produzir um tipo de conhecimento<br />

que partilhava das premissas significativas daqueles que pretendia compreender. Assim foi<br />

que dei por emitir juízos morais típicos, que de outro modo não poderia fazer. Ou a cada oportunidade<br />

plausível, mencionar passagens corânicas com lições morais que, ou reproduzia do<br />

discurso de meus interlocutores, ou eu mesmo extraía e construía baseado em exemplos que<br />

vivenciei com os muçulmanos na Tijuca – o que era índice do aumento de minha capacidade<br />

de manejar aqueles códigos. Em algumas circunstâncias me encontrava discorrendo sobre<br />

equívocos teológicos no cristianismo, no judaísmo, e fundamentalmente nas religiões afrobrasileiras<br />

– alvo de repreensões teológicas constantes, especialmente no que se refere ao ‘politeísmo’<br />

e aos cultos de possessão. Mais significativo, fui capaz de condenar, com boa dose<br />

de sinceridade inocente, ingênua e prematura, como bida’ (‘inovação condenável’, termo que<br />

aprendi quase imediatamente no início da pesquisa) algumas características do xiismo iraniano,<br />

em especial a autoridade do ayatolah Ali Khamenei, “sem fundamento no texto corânico”,<br />

ouvia e repetia.<br />

Todas essas passagens se deram em contextos particulares, fora do âmbito da pesquisa<br />

propriamente – ou seja, na esfera da minha vida pessoal –, e por isso mesmo ilustram o alcance<br />

que a experiência de uma pesquisa etnográfica pode ter sobre o antropólogo. Tais juízos<br />

eram formulações particulares minhas, que produzia à medida que, de algum modo inconscientemente,<br />

os padrões morais e religiosos, simbólicos e pragmáticos da comunidade sunita<br />

carioca iam se tornando mais claros para mim. Não se tratava, em muitos casos, de juízos<br />

propriamente nativos, mas construções minhas, produtos da minha criatividade e manejo daquele<br />

conjunto de ferramentas simbólicas que buscava apreender. No entanto, certos ou errados,<br />

a despeito de qual parâmetro se use, o mais significativo era o fato de que minha capacidade<br />

de formular críticas, por exemplo, à figura do Ayatollah iraniano, ou juízos de valor –<br />

como condenar ataques terroristas no Afeganistão ou o maltrato a cativos de guerra, não simplesmente<br />

de um ponto de vista humanitário, mas fundamentalmente como pecados condenados<br />

no texto corânico – era função do maior domínio e compreensão que conquistava da cos-<br />

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