Baixar - Proppi - UFF
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dentalismo (Stenberg 1996:332-3) no discurso desses intelectuais, na medida em que rejeitam<br />
todo um conjunto de valores e modelos ontológicos e epistemológicos ‘ocidentais’ 55 , mas<br />
retém o valor e a centralidade da ciência ocidental em seu próprio modelo alternativo. Stenberg<br />
sugere que fica por responder a questão de saber se é possível aderir à ciência ocidental<br />
sem seus valores, o que, a bem da verdade, é respondido pelos intelectuais de forma positiva.<br />
No entanto, mais interessante do que procurar saber se tem ou não razão em recusar ou<br />
não, é ver como eles produzem essa acomodação entre Islã e ciência, e como e porque os elementos<br />
éticos e epistemológicos são rejeitados.<br />
Assim, sugiro que o projeto de islamização da ciência que Stenberg mapeia depende,<br />
da parte dos intelectuais envolvidos, de uma dupla objetificação, tanto do Islã como da própria<br />
ciência. Refiro-me aqui ao conceito de Dale Eickelman e James Piscatori (Eickelman &<br />
Piscatori 1996), que é propriamente dirigido à religião, mas que ouso direcionar para a ciência.<br />
A definição de Eickelman & Piscatori (Eickelman & Piscatori 1996:37) propõe que a objetificação<br />
da consciência religiosa é um processo de sistematização e racionalização da doutrina<br />
religiosa – em sua análise particular, o Islã – marcado pela colocação, da parte do fiel, de<br />
questões que implicam a organização da crença em um sistema coerente. A religião é retirada<br />
de seu contexto cultural, extirpada de valores particulares, sistematizada e racionalizada de<br />
modo que passa a se constituir como sistema abstrato e coerente, simples, supostamente passível<br />
de apreensão universal – vale mencionar, via postura racional (Eickelman & Piscatori<br />
1996:39-40). A operação que Stenberg mapeia da parte dos intelectuais muçulmanos depende<br />
dessa objetificação do Islã. Na medida em que este sistema doutrinal e seus mecanismos disciplinares<br />
(Asad 1993:130-55) são objetificados, tornam-se pretensamente universais. No entanto,<br />
a própria ciência também é objetificada. A ciência já se pretende como um sistema coerente,<br />
dotado de alto nível de abstrações, capaz de ser apreendido racionalmente. Mas não é,<br />
nem pode ser, de acordo a posição dos intelectuais analisados por Stenberg, livre de contexto<br />
cultural 56 . Eis porque, como mostra Stenberg em diversos trechos da obra (Stenberg 1996:79-<br />
83; 137-140; 170; 208-213), a ciência é retirada do contexto de sua produção, o Ocidente,<br />
depurada de alguns dos princípios epistemológicos fundamentais, como o naturalismo e o<br />
materialismo, e corolários morais negativos – em especial, o maior dos males ocidentais, a<br />
secularização e a negação do valor de Deus no conhecimento científico – para então voltar a<br />
se contextualizada, islamizada, fazendo com que todo o seu potencial se desenvolva plena-<br />
55 Uso as aspas para indicar minhas desconfianças com tais conceitos, mas aqui faço uso na medida em que é<br />
assim que aparecem na obra ora comentada.<br />
56 Esta é precisamente parte da crítica elaborada contra o ‘Ocidente’.<br />
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