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do Islã para a comunidade de fora, na conquista de novos adeptos, novos revertidos ao Islã,<br />
mas também na própria construção da imagem do Islã de si, para si e para fora. Munzer Isbelle<br />
é diretor do departamento social, responsável por um conjunto de atividades de cunho social<br />
na comunidade. Além dessas posições de destaque, eram os dois principais personagens da<br />
comunidade no que se refere à atividade intelectual, já que estavam diretamente envolvidos<br />
nos cursos de religião e na publicação de livros. A performance de seus conhecimentos nas<br />
aulas de religião retroalimenta a legitimidade de Sami Isbelle em sua posição, incrementada<br />
pelo considerável sucesso de seus dois livros, em especial “Islam, a sua crença e a sua prática”.<br />
Munzer não participa da aula de religião, mas caminha no sentido de acumular grande<br />
número de publicações sobre o Islã, o que é altamente valorizado na comunidade muçulmana<br />
sunita carioca. Essas duas figuras fazem convergir para si muito prestígio como autoridades<br />
sobre a religião por meio dessa atividade incessante de divulgação. Além disso, é preciso considerar<br />
a significativa participação de Sami Isbelle na série Sagrado. A concretude da imagem<br />
de Sami Isbelle fazendo circular a doutrina islâmica, ainda que por pequenas doses, para um<br />
tão vasto público que se imagina ser alcançado pela TV Globo, é por demais poderosa e repercute<br />
positivamente na sua imagem como autoridade.<br />
Assim, Sami e Munzer Isbelle, pela posse de um capital cultural incorporado 59 – adquirido<br />
em suas trajetórias familiares como muçulmanos de origem síria – materializam esse<br />
capital frente à comunidade religiosa pela publicação de livros, palestras, aulas, séries na televisão,<br />
constituindo um capital cultural objetivado 60 .<br />
Essa atividade de publicação, produção de material para estudo sobre o Islã, seja para<br />
muçulmanos, seja para o público brasileiro não muçulmano em geral – indiquei que ambas as<br />
propostas se encontram presentes – está coadunada com a figura do guru religioso (Barth<br />
2000), a qual também já fiz menção. Chamo a atenção para uma diferença entre as duas figuras<br />
enquanto gurus. Sami Isbelle possui dois livros publicados. Munzer possui pelo menos<br />
quatro publicados até o momento. Além desses, o próprio Sami me confessou: “o Munzer deve<br />
ter uns sete ou oito livros prontos, na gaveta, só esperando a oportunidade de publicar”. No<br />
59 Bourdieu (1999:74-5) define o capital cultural incorporado como aquele capital cultural que deriva de uma<br />
produção pessoal do que ele chama de ‘investidor’: “A acumulação de capital cultural exige uma incorporação<br />
que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo que deve ser investido<br />
pessoalmente pelo investidor (tal como o bronzeamento, essa incorporação não pode efetuar-se por procuração).<br />
Sendo pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do "sujeito" sobre si mesmo (fala-se em "cultivar-se"). O<br />
capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da<br />
"pessoa", um habitus.”<br />
60 Trata-se, como está claro, da objetivação do capital incorporado pelo sujeito. “O capital cultural no estado objetivado<br />
detém um certo número de propriedades que se definem apenas em sua relação com o capital cultural<br />
em sua forma incorporada. O capital cultural objetivado em suportes materiais, tais como escritos, pinturas, monumentos<br />
etc., é transmissível em sua materialidade.” (Bourdieu 1999:77)<br />
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