A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
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como brasa e tão brilhante que os olhos da gente vivente não podiam parar nela,<br />
ficando encandeados, quase cegos!... 17<br />
Ainda sobre os mouros, o texto enfatiza que eles “eram mestres nas artes da magia”.<br />
Essa magia, portanto, faz referência às práticas de alquimia árabe, que está em oposição clara<br />
àquilo que o Santão crê e à religião que ele pratica. A religião católica, por si só, é marca forte<br />
e determinante na narrativa. E é aqui que reside o fato de a Teiniaguá ser vista como bruxa, já<br />
que ela tem sua raiz na cultura árabe e tem poderes por ser <strong>representação</strong> <strong>feminina</strong>, híbrida<br />
(visto que é também lagartixa) e por ter recebido poderes do Anhangá-Pitã, o diabo vermelho<br />
dos índios. A fé cristã, por sua vez, está ligada a questões ideológicas, já que se subentende, a<br />
partir do texto, uma ligação com o período ibérico de caça às bruxas, impulsionado pelo<br />
período inquisitório, em que os tribunais tinham força para decidir qual ideologia deveria ser<br />
aceita, rejeitada e/ou severamente punida.<br />
Francisco Bethencourt, no livro A história das Inquisições (2000), investiga os<br />
diferentes instrumentos inquisitoriais empregados e descobre, entre os processos contra as<br />
feiticeiras, um questionário que condicionava as respostas das presas. Nubia Hanciau (2004,<br />
p. 64) relata que o historiador português considera a Inquisição como uma das instituições<br />
mais bem organizadas e enraizadas, fato que dificultou seu banimento; e o cita a respeito da<br />
perseguição às bruxas, que está, desde o século XIV, relacionada à magia. Segundo ela,<br />
Bethencourt assegura: “era sobretudo uma população <strong>feminina</strong>, com saberes tradicionais, que<br />
manipulava ervas, remédios naturais e invocava os espíritos. Há toda uma mitologia sobre a<br />
assembléia das bruxas. [...] As bruxas voavam para o Sabbah 18 e freqüentavam assembléias<br />
com os demônios, copulando coletivamente” (HANCIAU, op. cit., p. 75).<br />
Carlos Byington, no prefácio de O martelo das feiticeiras (2005, p. 22), refere-se à<br />
Inquisição como um período que se julgava purificador e projetava de forma paranóica sua<br />
própria sombra (os complexos culturais inconscientes) <strong>nos</strong> hereges que torturava e matava.<br />
17 SLN, p. 293.<br />
18 Nubia Hanciau, em sua tese já citada, diz que o diabo é o personagem principal do Sabá, muitas vezes<br />
apresentado na reunião sob a forma de homem ou bode. Falar em Sabá aos olhos dos contemporâneos significa<br />
falar no seu cortejo de acessórios, banquetes em honra do demônio e beijos no seu traseiro, danças eróticas<br />
noturnas, mulheres nuas, pactos, profanação dos sacramentos, tudo visto na maioria das vezes como lenda ou<br />
fruto de confissões sob tortura. Além da etimologia “reunião ritual de feiticeiros” (Carlo Ginzburg), expressões<br />
eruditas também o definem: sagarum synagoga ou strigiarum conventus, e ainda uma miríade de epítetos<br />
populares como striaz, bartòtt, akelarre. Para o dicionário, “do grego shabbath, pelo francês sabbat, o Sabá é o<br />
descanso religioso que os judeus devem observar no sábado consagrado a Deus”; numa segunda acepção, diz<br />
ainda: “conciliábulo de bruxos e bruxas que, segundo superstição medieval, reunia-se no sábado à meia-noite,<br />
sob presidência do Diabo” (HANCIAU, op. cit., nota 28, p. 75).<br />
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