A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
para uma mulher, uma marca agradável. Mas por que me envolver nisso? O que eu<br />
iria ganhar? Que me importam seus namorados e amantes, senhorita De Meloises? 59<br />
Já no trecho da narrativa citado, o que se tem é o interesse por parte da Corriveau em<br />
saber o que Angélique de Meloises quer com ela. O trecho em que ela afirma “Não se traz<br />
uma mulher de Saint-Vallier para o Quebec, durante a noite, para procurar algumas<br />
miseráveis jóias” mostra que, diferentemente de François na versão de Aubert de Gaspé Pai, é<br />
Angélique quem toma a iniciativa de transportar a Corriveau, baseada na sua utilidade.<br />
François é pudicamente cristão e se culpa por ter cometido atos que não queria (foi obrigado<br />
pela Corriveau); já Angélique faz tudo de plena consciência, acreditando ser para o seu bem.<br />
Mesmo tendo um comportamento egoísta e pouco condizente com os dogmas religiosos e<br />
sociais, não deixa de ter desejos de vingança e persegui-los até sua realização. De Meloises<br />
busca, com a Corriveau, uma forma de matar sem que ninguém desconfie dela, transmitindo a<br />
ação transgressiva à envenenadora, sem moral e sem escrúpulos. A falta de moral da<br />
Corriveau está presente, entre outros momentos, quando ela indaga quanto vai ganhar com<br />
isso; se não puder tirar alguma vantagem, o serviço absolutamente não lhe interessa.<br />
Angélique escutava com terror sair da boca de uma estrangeira as palavras de morte<br />
que ela mesma pensava, mas não ousava pronunciar. Ela chegou ao ponto de negar,<br />
de se revoltar; tremia; no entanto persistiu na idéia.<br />
– Eu entendo, acrescenta, que meus amores não lhe importem, mas não se esqueça<br />
de seus interesses. Escute, Corriveau, você ama ouro. Eh! Bem! Eu lhe darei quanto<br />
ouro você quiser, se você vier em minha defesa. Ajude-me e não se arrependerá; eu<br />
garanto. Sua fortuna está garantida, mas se você recusar, você se arrependerá.<br />
Escutou, Corriveau? Você se arrependerá! Você será queimada como bruxa e suas<br />
cinzas serão jogadas no Saint-Vallier! Por Deus! Eu lhe juro!<br />
Angélique se mostra, desde o início, bastante audaciosa: desafia os poderes da<br />
Corriveau (“você não tem poder?, então adivinhe o quero”) e até a ameaça, caso ela não<br />
queira ajudá-la. Entretanto, por mais que isso cause certa revolta – já que é sempre a<br />
Corriveau quem ameaça –, essas ameaças fazem com que a envenenadora respeite Angélique<br />
e permita que ela explique suas razões e objetivos.<br />
59 V. anexos. Tradução minha.<br />
Nesse momento, a Corriveau cuspiu no assoalho, como já tinha feito. Era para dizer<br />
que ela cuspia na cara do Senhor.<br />
– Você é louca de falar comigo assim, Angélique de Meloises!, replicou ela em<br />
seguida. Você sabe quem eu sou? Você sabe quem é você? Você é uma pobre<br />
borboleta que vem bater asas contra a Corriveau. De toda forma, eu gosto de sua<br />
audácia. Mulheres do seu estilo são raras. O sangue de Exili não podia ser mais<br />
44