A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
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Sabemos, entretanto, que a radicalidade dos dogmas não permitia aos religiosos entenderem<br />
essa relação de homem e mulher como algo positivo; é pecado, no sentido pejorativo do<br />
termo.<br />
A questão do prazer e do desejo, se tomarmos como referência as idéias de Barthes, é<br />
como se fosse o fio condutor que faz com que o texto se articule. As representações míticas,<br />
assim como as personagens de ficção, são construídas por símbolos, por sig<strong>nos</strong> lingüísticos,<br />
por palavras, mas nunca por imagens. Em “A Salamanca do Jarau”, temos os símbolos do<br />
cálice e do mel de lixiguana, que representam o sagrado e o profano; temos o substantivo<br />
salamanca que, como já vimos, carrega em si a idéia de mistério e da bruxaria. Já na<br />
Corriveau, temos no canto das bruxas no sabá, que depois é reproduzido pelo pai defunto de<br />
José, a grande simbologia das bruxas. E, também, na condenação da suposta personagem<br />
histórica o símbolo do castigo dado às mulheres; o enforcamento é, na realidade, uma forma<br />
de imposição da superioridade masculina, que não deve ser posta em dúvida nunca. Notamos<br />
que os símbolos são aquilo que dá sentido aos personagens, aos mitos, às narrativas. São eles<br />
que, aliados às idéias de prazer e desejo, vão desenhar aquilo que nós, leitores, imaginaremos.<br />
É essa simbologia, também, que articulará em <strong>nos</strong>sas mentes a história contada pelo narrador.<br />
Ligada a essa relação sexual está, também, o caráter bruxólico da Teiniaguá. Uma das<br />
grandes buscas da bruxa é a busca pela liberdade, até mesmo a sexual, que esteve em pauta<br />
em <strong>nos</strong>so país, se tomarmos como base a sociedade brasileira dos a<strong>nos</strong> 70. A mulher começou<br />
a lutar por igualdade de gênero e utilizou a liberação sexual como forma de grito de liberdade.<br />
O fato de a mulher escolher com quem manter relações e tê-las antes do casamento chocou e<br />
criou para ela outros estereótipos (que não são os de bruxa, assassina, má, mas, por exemplo,<br />
aquele que a equipara a uma prostituta). Nas narrativas, todavia, aquela que decidia com quem<br />
manter relações era considerada bruxa, má, sedutora, ligada ao caráter erótico.<br />
Na Corriveau, conforme vimos, existiu uma quebra no tempo dos acontecimentos.<br />
Esse tempo pode ser entendido como o período da luta das mulheres pelo seu reconhecimento<br />
dentro da sociedade e até da própria literatura. Cem a<strong>nos</strong> se passaram até que a Corriveau<br />
pudesse provocar nas pessoas a reflexão de sua culpa ou inocência; até então ela era vista<br />
apenas como transgressora e culpada 91 . Hoje em dia, podemos dizer que essa quebra no tempo<br />
serviu para que a personagem voltasse com mais força na cultura <strong>quebequense</strong>.<br />
O fato é que a forma como a sociedade de cunho patriarcal do tempo de tais<br />
representações via a mulher colaborou com a forma como a própria mulher gaúcha e<br />
91 Sobre isso ver o capítulo 1.<br />
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