A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ser obedecidas, as desobedecem, e sofrem as punições pesadas determinadas às mulheres<br />
transgressoras em prol da mudança do paradigma feminino no contexto social.<br />
Em segundo lugar, a autora acrescenta que os conceitos normativos põem em evidência as<br />
interpretações do sentido dos símbolos, que se esforçam para limitar e conter possibilidades<br />
metafóricas. Esses conceitos estão expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas,<br />
políticas ou jurídicas e tomam a forma típica de oposição binária, que afirma de maneira<br />
categórica e sem equívocos o sentido do masculino e do feminino. Ou seja, usar a categoria gênero<br />
é reconhecer uma variedade de formas de interpretação, simbolização e organização das diferenças<br />
sexuais e das relações sociais. Todavia, para Scott, esse uso descritivo do termo “gênero”, que é o mais<br />
comum, o reduz a um conceito associado ao “estudo das coisas relativas às mulheres” e é empregado com<br />
freqüência pelos historiadores para “traçar as coordenadas de um novo campo de estudo” (as mulheres, as<br />
crianças, as famílias e as ideologias de gênero) referindo-se “somente àquelas áreas – tanto estruturais<br />
quanto ideológicas” – que compreendem relações entre os sexos; este uso tem respaldo num enfoque<br />
funcionalista enraizado em última instância na biologia (SCOTT, 1990, p. 5-22).<br />
Se traçarmos um paralelo entre os mitos citados e Maria, podemos afirmar que o<br />
centro de uma análise acerca da <strong>representação</strong> <strong>feminina</strong> não está no comportamento impecável que<br />
faz dela uma mulher superior, inferior ou exemplo de figura pura, casta e perfeita, e sim nas<br />
diferenças, <strong>nos</strong> contrapontos. O fato de uma determinada personagem <strong>feminina</strong> ter fé maior em<br />
Deus que a outra, ou de a outra acreditar mais em poderes ditos populares, como os da bruxaria,<br />
ou ainda o fato de o papel de uma figura masculina poder estar aliado ao da <strong>feminina</strong> é o que<br />
caracteriza o trabalho com a categoria gênero. É, portanto, abandonar as diferenças pensando<br />
somente no caráter biológico e pensar também na interpretação e na organização social que têm<br />
influência na legitimação dessas diferenças.<br />
Ao se falar da personagem <strong>feminina</strong> sendo ela bruxa, feiticeira, amaldiçoada pelo<br />
demônio, não podemos deixar de tecer algumas considerações sobre o Malleus Malleficarum, o<br />
Martelo das Feiticeiras 73 , importante documento no que tange às bruxas e ao período<br />
73 O Martelo das Bruxas ou O Martelo das Feiticeiras (título original em latim: Malleus Maleficarum) é uma<br />
espécie de manual de identificação e combate à bruxaria, publicado em 1487, dividido em três partes: a primeira<br />
ensinava os juízes a reconhecerem as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda expunha todos os<br />
tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os, e a terceira regrava as formalidades para agir “legalmente”<br />
contra as bruxas, demonstrando como inquiri-las e condená-las (não necessariamente nesta ordem).<br />
Historicamente, o Martelo das Feiticeiras é provavelmente o tratado mais importante publicado no contexto da<br />
perseguição à bruxaria no Renascimento. Trata-se de um exaustivo manual sobre a caça às bruxas, publicado<br />
primeiramente na Alemanha, em 1487, mas que logo recebeu dezenas de novas edições por toda a Europa,<br />
provocando um profundo impacto <strong>nos</strong> juízos contra as bruxas no continente por cerca de 200 a<strong>nos</strong>. A obra é<br />
notória por seu uso no período mais intenso da caça às bruxas, que alcançou sua máxima expressão entre o início<br />
do século XVI e meados do XVII. O Malleus Maleficarum foi compilado e escrito por dois inquisidores<br />
dominica<strong>nos</strong>, Heinrich Kraemer e James Sprenger. Os autores fundamentavam as premissas do livro com base<br />
na bula Summis Desiderantes, emitida pelo Papa Inocêncio VIII em 5 de dezembro de 1484, o principal<br />
70