A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
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explicitadas anteriormente. Sendo a projeção de um ser cordato, submisso, ela está dando o<br />
bom exemplo. Sendo a <strong>representação</strong> de um ser que projeta pla<strong>nos</strong> para sua vida, critica e não<br />
se contenta com os dogmas predeterminados, a mulher que vai em busca do que almeja, é a<br />
transgressora, bruxa. Beauvoir (1944, p. 295) assim define a mulher:<br />
Tesouro, presa, jogo e risco, musa, guia, juíza, mediadora, espelho, a mulher é a<br />
Outra na qual o sujeito se excede sem ser limitada, quem se opõe a ele sem negá-lo;<br />
ela é o Outro que se deixa anexar sem deixar de ser o Outro. E por isso ela é tão<br />
necessária para a felicidade do homem e o seu triunfo que poderíamos dizer que ela<br />
não existia, os homens a inventaram.<br />
Eles a inventaram. Mas ela existe também sem sua invenção. É porque ela é ao<br />
mesmo tempo que a encarnação de seu sonho, seu fracasso. Não tem uma figura<br />
<strong>feminina</strong> que não gere imediatamente sua figura inversa: ela é Vida e Morte, a<br />
Natureza e o Artifício, a Luz e a Noite.<br />
A <strong>representação</strong> <strong>feminina</strong> será, portanto, aceita enquanto <strong>representação</strong> positiva e<br />
virtuosa quando for o outro do discurso, quando estiver agindo num papel caracteristicamente<br />
dicotômico, de oposição bem/mal. Ela vai ser a oposição que a <strong>representação</strong> masculina<br />
precisa para afirmar-se enquanto tal, na medida em que sua invenção, se considerarmos que,<br />
dentro do contexto da cultura cristã, foi concebida para ser aquilo que completaria o<br />
masculino, que levaria a <strong>representação</strong> masculina a alcançar sua felicidade, a triunfar. Ela<br />
encarna, portanto, não só o papel de <strong>representação</strong> inventada, mas também de <strong>representação</strong><br />
que não existe a não ser como forma de encarnação de um sonho, de um fracasso. Assim, ser<br />
a Outra do discurso é complementar o homem naquilo que ele não consegue ser, nas<br />
frustrações da <strong>representação</strong> masculina. Sendo <strong>representação</strong> de frustração, ela vai cair nas<br />
dicotomias vida e morte: é vida porque serve o homem em muitos momentos, mas é morte<br />
porque realiza ações as quais ele não conseguiu realizar e frustra-se por isso; é natureza<br />
porque age na natureza e realiza aquilo que a <strong>representação</strong> masculina quer; e é artifício<br />
quando usa daquilo que está na natureza como forma de trazer o mal. Aqui o exemplo<br />
oferecido seria o das bruxas que indicam ervas para a cura, mas que na verdade são tóxicas e<br />
levam à morte. É luz quando dominada, submissa, realiza os sonhos do homem, mas é noite<br />
quando, por algum motivo, se mostra descontente com o papel que lhe foi determinado.<br />
Falar, conforme já dito no parágrafo anterior, em invenção cristã do mundo, <strong>nos</strong> leva a<br />
pensar no nome de Teiniaguá, que será tratada em um capítulo subseqüente, mas também no<br />
mito de Lilith.<br />
Brigitte Couchaux (in BRUNEL, 2005, p. 582) atribui ao nome Lilith origem semítica<br />
e indo-européia; vem de “lil”, relacionado ao deus da atmosfera, Enlil, que significa “vento”,<br />
“ar” e “tempestade”. É o vento ardente que, segundo a crença popular, punha em febre as<br />
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