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A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense

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como assassina de crianças, voltando nas noites de Halloween; mas também, linda, vítima<br />

de intrigas e da sanção popular, personagem dúbia, com instinto de feiticeira 90 (afinal, seria<br />

muito mais cômodo justificar ao povo sua morte com base no seu instinto do que buscar<br />

qualquer outra razão) e no meio de tudo isso as sociedades. É nas sociedades que as leis são<br />

constituídas, e ambas, a partir de suas características políticas, sociais e históricas, esperavam<br />

que suas figuras <strong>feminina</strong>s fossem modelo de cordialidade, docilidade e submissão.<br />

Transgredindo essa prescrição, elas se fizeram exemplo de superação e contra-exemplo,<br />

superaram seus limites, mas, ao mesmo tempo, deixaram claro àquelas mulheres o que lhes<br />

aconteceria se elas agissem da mesma forma. Na realidade, o comportamento delas foi<br />

positivo e negativo; positivo porque serviu para que, futuramente, se mudasse a forma de<br />

enxergar essa mulher; que se passasse a vê-la como um ser (quase) em pé de igualdade com o<br />

homem, e negativa porque, pensando na mulher que vivia naquela sociedade, os castigos<br />

imputados àquelas que decidissem com quem casar e que tarefas desenvolver eram bastante<br />

cruéis.<br />

É possível que a Corriveau tenha assassinado os maridos para livrar-se dos maus-tratos<br />

que sofria. Essa reação de autodefesa não era possível às mulheres; elas eram criadas para<br />

agradar ao marido, viver para ele, e qualquer reação violenta por parte dele estaria justificada<br />

no mau comportamento dela; ela não se comportou como uma verdadeira mulher e mãe e, por<br />

isso, foi castigada. No caso de uma reclamação, a culpa recai sobre ela e será ela que sofrerá<br />

as conseqüências (o povo será induzido, pelo seu marido, a pensar que ela o traiu e, assim, a<br />

condenará ao enforcamento, a ser queimada, etc.).<br />

A Teiniaguá, por sua vez, pecou, como já vimos, pela sua origem árabe, oriental, mas<br />

também por envolver-se com um sacristão. Na verdade, a afirmação do desejo como parte da<br />

existência faz parte da identidade do santão e da Teiniaguá, uma vez que ele é surpreendido<br />

pelo encontro com a moura e fica quase sem ação. Ela, por sua vez, se redescobre enquanto<br />

mulher, a partir do momento em que é libertada da guampa, fazendo uso da sedução para<br />

levar o santão a se reencontrar como homem, que possui desejos e deixa, por um instante,<br />

todas as suas culpas de religioso de lado para sucumbir ao prazer carnal. Na verdade esse<br />

prazer é instintivo, faz parte da vida do homem e da mulher; todavia, dentro da perspectiva<br />

religiosa, a castidade é obrigatória. Na época da lenda, sobretudo, a instituição religiosa era<br />

bem mais radical do que hoje em dia. A partir do momento em que este desejo carnal faz com<br />

que santão e Teiniaguá redescubram a sua identidade, a transgressão já deveria ser perdoada.<br />

90 Op. cit. nota 28.<br />

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