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A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense

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Então, após a apresentação presente no trecho anterior, poderíamos pensar que é<br />

realmente a Teiniaguá que está se apresentando e contando o seu encontro com o sacristão,<br />

visto que o Santão descreve tal encontro de forma a dar a entender que é a <strong>representação</strong><br />

<strong>feminina</strong> em sua voz ativa, contrapondo-se à cruz do rosário, aos dogmas da Igreja Católica.<br />

Mas, seguindo a narração, ele afirma que:<br />

Sobre a cabeça da moura amarelejava nesse instante o crescente dos infiéis…<br />

E foi se adelgaçando no silêncio a cadência embalante da fala induzidora...<br />

A cruz do meu rosário...<br />

Fui passando as contas, apressado e atrevido, começando na primeira… e quando<br />

tenteei a última... e que entre as duas os meus dedos, formigando, deram com a Cruz<br />

do Salvador... fui levantando o Crucificado... bem em frente da bruxa, em<br />

salvatério... na altura do seu coração… na altura da sua garganta... da sua boca... na<br />

altura dos...<br />

E aí parou, porque os olhos de amor, tão sobera<strong>nos</strong> e cativos, em mil vidas de<br />

homem outros se não viram!...<br />

Parou… e a minha alma de cristão foi saindo de mim, como o sumo se aparta do<br />

bagaço, como o aroma sai da flor que vai apodrecendo...<br />

Cada noite era meu ninho o regaço da moura; mas, quando batia a alva, ela<br />

desaparecia ante a minha face cavada de olheiras...<br />

E crivado de pecados mortais, no adjutório da missa trocava os amém, e todo me<br />

estortegava e doía quando o padre lançava a bênção sobre a gente ajoelhada, que<br />

rezava para alívio dos seus pobres pecados, que nem pecados eram, comparados<br />

com os meus... 28<br />

Aqui, além de se confirmar a narração do Santão, percebe-se o encantamento que toma<br />

conta dele quando do primeiro encontro com a Teiniaguá. Na cabeça da moura estava a marca<br />

da infidelidade e da não-religiosidade, através do carbúnculo 29 , lá colocado pelo Anhangá-<br />

pitã. No momento em que a princesa moura é libertada pelo sacristão, ela usa seus poderes,<br />

seja aqueles genuí<strong>nos</strong> de uma figura <strong>feminina</strong>, seja os advindos dos poderes relacionados à<br />

magia, para persuadi-lo a ficar com ela. Num primeiro momento ele tenta se defender,<br />

apontando para ela o símbolo de sua religiosidade: a cruz do rosário, mas o encantamento que<br />

ela transmitia era maior que qualquer símbolo religioso e ultrapassava todos os dogmas<br />

(mesmo os mais rígidos) da Igreja Católica. O Santão, se visto enquanto figura masculina,<br />

deixa-se dominar pela sedução, perdendo, assim, os valores cristãos até então tão certos<br />

dentro da vida que escolheu, e passa a viver carregando uma culpa pelo seu pecado maior.<br />

28 SLN, p.300-301.<br />

29 Anhangá transforma o condão mágico em pedra transparente e a fada moura, em Teiniaguá. A pedra, colocada<br />

no lugar da cabeça da lagartixa, pelo contato com o sol da manhã, vira brasa vermelha, brilhante ao ponto de<br />

cegar quem dela se aproxima. O lugar do encontro macabro é batizado de Salamanca, e essa é a origem do nome<br />

de todas as furnas da América, “em lembrança da cidade dos mestres mágicos”.<br />

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