A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Toure-loure; 54<br />
Dancemos à volta.<br />
Acontece, então, o ritual da dança das bruxas, já que a realização de uma maldade,<br />
enforcamento ou estrangulamento, para elas é motivo de festa. Se o poder de sedução não foi<br />
suficiente para persuadi-lo a fazer suas vontades, estrangulá-lo, por outro lado, era a forma de<br />
ela apoderar-se da alma de François e, assim, conseguir chegar até o Sabá.<br />
O pequeno pássaro, empoleirado em um galho vizinho, gritava sem parar: qué-tu 55 ?<br />
– Meu querido jovenzinho, disse meu pai defunto, me é inquietante te responder a<br />
esta questão, porque eu não sei mais quem eu sou nesta manhã: ontem ainda eu me<br />
acreditava um bravo e honesto devoto de Deus, mas eu tive tantas situações pe<strong>nos</strong>as<br />
essa noite, que não saberia assegurar se sou bem eu, François Dubé, que estou aqui<br />
presente em corpo e alma.<br />
Na citação, podemos entender que todas as virtudes de um homem estão ligadas à<br />
crença em Deus e às práticas de sua doutrina. Bravura e honestidade são virtudes do homem<br />
religioso; todavia, após todas as provações pelas quais a Corriveau o fez passar, pelas longas<br />
conversas com o intuito de persuadi-lo a fazer o mal e, por fim, pelo mal a ele infligido na<br />
forma do esganamento, fica impossível a François Dublé autodefinir-se enquanto homem. Ele<br />
perde sua identidade a partir das maldades que a Corriveau lhe imprimiu, maldades por ele<br />
definidas como situações pe<strong>nos</strong>as e que o impossibilitam de afirmar se aquela figura<br />
masculina que o personifica de corpo e alma é mesmo ele.<br />
E depois ele começa a cantar, o caro homem:<br />
Dancemos à volta,<br />
Toure-loure;<br />
Dancemos à volta.<br />
Ele estava, ainda, metade enfeitiçado. Ainda assim, no fim ele se deu conta de que<br />
estava deitado com todo o corpo dentro de um buraco que felizmente era mais de<br />
pântano que de água, porque sem isso meu pobre defunto pai, que morreu como um<br />
santo, rodeado por todos seus parentes e amigos, e munidos de todos os sacramentos<br />
da Igreja, sem faltar nenhum, teria falecido sem confissão, como um indigno, no<br />
fundo da floresta, à salvo o respeito que eu devo aos senhores, os jovens senhores.<br />
Quando ele conseguiu sair da valeta onde estava preso como em uma estufa<br />
apertada, o primeiro objeto que ele viu foi seu frasco em cima da valeta: isso o fez<br />
recuperar um pouco a coragem. Ele estendeu a mão para alcançá-lo, mas, surpresa!<br />
Ele estava vazio! A bruxa tinha bebido tudo!<br />
54 “Dancemos à volta” faz referência a uma estrofe de uma “canção à volta”, que quer dizer à volta de, em torno<br />
de; dancemos à volta do fogo. “Toure-loure” faz parte da <strong>representação</strong> poética aparecendo como recurso para a<br />
criação da rima. Tradução minha.<br />
55 Qué-tu é uma onomatopéia advinda da pergunta “Qui est-tu?”, que quer dizer “Quem é você?”.<br />
40