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A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense

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híbrido, visto que é metade mulher, metade lagartixa, e por ter recebido seus poderes por<br />

meio de um pacto firmado com Anhanga-Pitã, diabo vermelho dos índios.<br />

Cícero Lopes (1999, p.35) , citando Donaldo Schüler, diz que “o ser híbrido traz no<br />

seu próprio corpo a sua própria contradição, a do sim e a do não”, e completa: “As oposições,<br />

que se confundem com contradições na Teiniaguá, apenas caracterizam, portanto, a<br />

personagem”.<br />

Ela é moura, mas convive com os cristãos. Ela é bela, mas réptil. Traz a felicidade e<br />

encanta, mas leva à danação. Encaminha ao amor, mas desencaminha na vida. É boa<br />

porque desvenda coisas boas, os prazeres até então desconhecidos pelo santão; é má,<br />

porque o leva ao pecado e à submissão. Ela é princesa poderosa, mas atrai pela<br />

sensualidade e tem comportamento marcado pela luxúria. É humana e não-humana.<br />

Como bicho e mulher vive na água e fora dela. Defende o crescente mouro, mas é<br />

com um cristão (sacristão ou sacer-cristão, i.e, cristão sagrado) que mantém amores.<br />

Ela é muçulmana e jovem, mas vem no ventre da fada velha, num navio cristão,<br />

entre padres. Por ser mulher, não deveria demonstrar características de decisão, de<br />

vontade própria. Deveria ter sentimentos de aceitação e submissão. Foi ela, no<br />

entanto, quem, como Teiniaguá-lagartixa, se transformou em mulher e disse dos<br />

seus interesses e fez propostas ao sacristão. Por causa dela e dos amores mantidos<br />

com ela, o sacristão, Santão, foi condenado ao garrote pelos padres, por crimes de<br />

luxúria, apostasia e sacrilégio. Ela então, usando os poderes que detinha, rompeu a<br />

terra, apavorou os torturadores. Deus interveio. Do que o texto sugere, Ele o fez em<br />

nome da conjunção do amor e da execração dos preconceitos, i.e., consonância das<br />

diferenças. Ela salvou seu amado e seu amor e mostrou-se harmoniosa na diferença.<br />

As contradições entre a Teiniaguá e o santão são óbvias e aparentes, visto que cada um<br />

vive num mundo. Ela condena o santão ao banimento e à excomunhão por causa do erotismo<br />

e da transgressão.<br />

Por outro lado, sua hibridez perpassa sua própria constituição enquanto <strong>representação</strong>.<br />

Se pensarmos na recepção e na maneira pela qual o mito em torno dela é criado, podemos<br />

afirmar que é constituída – e é isso que a afirma como <strong>representação</strong> lendária – no seio da<br />

sociedade pela voz do povo e por diversas vivências e experiências sociais que acabam<br />

constituindo sua verdade e seu caráter. E nessa experiência é que teremos representado o mito<br />

da dominação <strong>feminina</strong> (dominação aqui entendida como relação de poder, e, também,<br />

sinônimo de sedução da mulher face ao homem). O próprio fato de a Teiniaguá ser animal<br />

metamórfico, bicho imundo, metade mulher, metade lagartixa, já faz dela um ser transgressor.<br />

Ela transgride no momento em que desobedece às normas cristãs, no momento em que seduz<br />

o santão, no momento em que o tenta a submeter-se aos seus encantos e, assim, o leva à<br />

desestabilização, se tomarmos como base a vida que ele levava, uma vida de obediência e<br />

inação. E, assim, enquanto ser transgressor, carrega consigo o estigma do mal, o qual será<br />

explorado a seguir.<br />

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