A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense
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Aqui se percebe o quanto ela se entregou à amizade da bruxa, visto que a questiona<br />
enquanto mulher, iguala-se a ela e demonstra ansiedade e angústia típicas de uma paixão. É<br />
justamente a angústia e a ansiedade que a fazem ficar cega, ingênua, e não a deixam perceber<br />
o quanto a bondade da “senhora Dodier” era forçada e exagerada.<br />
A Corriveau esmorece levemente apesar de sua dureza de coração, e um tremor<br />
imperceptível passou por suas mãos enquanto ela abria a pequena garrafa. Ela pegou<br />
o buquê, o descascou, desligando-se um pouco de seu envelope de dinheiro, e o<br />
apresentou à impaciente jovem.<br />
– Como é bonito! exclamou Caroline segurando-o com as duas mãos. É um buquê<br />
celeste! Um radioso símbolo do amor!<br />
E o levando até seus lábios, sorridente, feliz, transfigurada pelo prazer, ela o abraçou<br />
com paixão, inspirando ardentemente os aromas delicados e os vene<strong>nos</strong> mortais.<br />
Rapidamente, sua cabeça radiosa inclinou-se para baixo, seus olhos negros olharam<br />
para o obscuro e, prendendo o buquê fatal sobre seus lábios, ela caiu morta aos pés<br />
da Corriveau.<br />
Um riso bárbaro, terrível, assustador, ecoou nas paredes do quarto secreto.<br />
O sangue de várias gerações de envenenadores e assassi<strong>nos</strong> se pôs a correr fervoroso<br />
nas veias da bruxa, e ela parecia como uma tigresa diante de sua presa.<br />
A morte estava ali, sorrindo ainda, ainda radiosa de seu último pensamento de<br />
alegria. A horrível assassina baixou-se para se assegurar de que o veneno tinha feito<br />
seu trabalho: o coração já não batia mais e nenhum sopro se passava em seus lábios<br />
entreabertos.<br />
Ela só se acordaria com a voz de Deus, no dia da Ressurreição.<br />
– Pouco importa! Resmungou a envenenadora, a Corriveau não faz seu trabalho pela<br />
metade; se ainda resta-lhe alguma vida, ela partirá.<br />
E duas vezes, com uma mão fechada, ela golpeou o seio de sua vítima, com sua faca<br />
afiada.<br />
Não importa a versão, literária ou oral, a Corriveau é vista como essencialmente má e<br />
com poderes diabólicos e mágicos. Na versão analisada, por exemplo, por mais que em certo<br />
momento Caroline a tenha tratado bem como ninguém jamais a tratou e isso a tenha tocado,<br />
ela mata a moça porque sua natureza é esta: matar por prazer. Assassina fria e cruel? Não é<br />
possível, todavia, afirmar isso de forma convicta e por tal motivo trataremos da <strong>representação</strong><br />
da Corriveau como bruxa, má, assassina, envenenadora ou vítima da justiça popular, num<br />
capítulo à parte.<br />
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