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A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense

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falecido pai, François Dubé, que encontrara o esqueleto da Corriveau arrastando a gaiola e<br />

atravessando, com a ajuda de um cristão, para a ilha de Orleans, com o intuito de encontrar<br />

suas amigas bruxas. Aqui, Aubert de Gaspé une duas histórias em um mesmo relato: a da<br />

Corriveau e a das bruxas da ilha de Orleans. Esta última lenda vem do fato de que os<br />

habitantes da referida ilha pescavam enguias, à noite, usando lanternas <strong>nos</strong> barcos. Vistos do<br />

lado sul, do Quebec ou do lado de Beaupré, os fogos que se espalhavam pela noite<br />

semelhavam fogos fátuos, e assim os insulares eram confundidos com bruxas.<br />

Nesse processo em que José se encontra, o de contar a história de seu pai para os<br />

soldados, ele percebe frequentemente a descrença entre os soldados. Por isso, pensa em parar<br />

sua narrativa já que ela pode estar sendo motivo de cansaço e até causar sono <strong>nos</strong> colegas.<br />

Jules, porém, interessa-se pela narrativa do rapaz e se manifesta em relação a isso, dizendo:<br />

– Esperando, retoma Jules, tua tese poderá servir de balança ao conto que Sancho<br />

fazia para dormir Dom Quixote. Quanto a mim, eu gosto mais da lenda do <strong>nos</strong>so<br />

amigo José.<br />

– Você não está cansado? Argumenta este que tinha um pouco de sono durante a<br />

discussão científica.<br />

– Escutem, diz Arché: Conticuere omnes, intentique ora tenebant.<br />

– Conticuere... incorrigível pedante, exclamou d’Haberville.<br />

– Esse não é um conto de presbitério, destaca vivazmente José; mas é também<br />

verdade que quando nós falamos na cátedra da verdade: porque também meu pai<br />

defunto não mentia jamais.<br />

José, assim, pode ser comparado ao cavaleiro andante Blau Nunes, de “A Salamanca<br />

do Jarau”, na medida em que também tem essa relação com cavalos e é quem narra a história<br />

da personagem <strong>feminina</strong>, neste caso, o encontro do seu pai morto com a Corriveau. Assim<br />

como Blau, ele escutou a história do seu pai e a repassou aos soldados. É interessante destacar<br />

aqui, conforme se tinha também no cavaleiro <strong>gaúcho</strong>, o tema da viagem; José viajou para<br />

chegar até os soldados e alcançar um espaço no qual ele seria ouvido.<br />

A narrativa, todavia, é considerada pelos soldados como uma charmosa história de<br />

ficção; José, a partir da reprodução do discurso do pai, tenta fazê-los crer na veracidade dos<br />

fatos. Contudo, a atenção dada a ele seria demonstrada por grande carga irônica, na medida<br />

em que, enquanto Jules define a narração de José como uma lenda, este nela acredita como<br />

sendo conto de presbitério 51 , carregado de verdade e legitimado pelo seu pai, tido por ele<br />

como a <strong>representação</strong> da verdade, uma vez que não mentia. É essa crença na verdade do fato<br />

51 Conto de presbitério quer aqui se referir aos contos religiosos que, sendo advindos da Igreja, são de<br />

legitimidade indubitável.<br />

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