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A representação feminina nos lendários gaúcho e quebequense

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– A Dama de Beaumanoir? murmurou ela... a dama que os Abénaquis 61 trouxeram<br />

da Acádia?... Eu a vi um dia no bosque de Saint-Vallier, quando eu colhia<br />

mandrágora. Ela me pediu um pouco de água em nome de Deus. Eu lhe dei leite,<br />

mas amaldiçoando-a. Eu não tinha água. Ela me agradeceu. Oh! Que agradecimento!<br />

Que agradecimento! Nunca ninguém havia falado com tanta docilidade com a<br />

Corriveau. Ela me perguntava se estava muito longe de Beaumanoir e em que<br />

direção ficava. Eu não pude deixar de lhe desejar uma boa viagem quando ela se<br />

afastava com seus guias índios. 62<br />

A Corriveau demonstra, no trecho anterior, um comportamento ambíguo; parece que<br />

toda a sua revolta advém do tratamento que a sociedade lhe dava. Ela era malvista, sempre<br />

como transgressora, sedutora, e no momento em que alguém a trata como um ser humano<br />

como qualquer outro, seu coração, por um momento, amolece.<br />

Angélique fica um pouco inquieta e se sente levemente ressentida, vendo a<br />

Corriveau manifestar alguma simpatia pela solitária Beaumanoir.<br />

– Você a conhece, diz ela, e bem, é muito bom. Ela se lembrará de você, sem<br />

dúvida; você terá facilidade de se aproximar dela, e você ganhará rapidamente sua<br />

confiança.<br />

A Corriveau batia as mãos e lançava um grande fascínio ao rir, um fascínio sinistro e<br />

caver<strong>nos</strong>o como se tivesse vindo do abismo.<br />

– Eu a conheço, você disse? Me<strong>nos</strong> que isso! Ela agradeceu-me de forma bondosa.<br />

Foi isso que eu disse, não foi? Em seguida, quando ela partiu, eu a amaldiçoei dentro<br />

do meu coração, porque ela era bonita e boa, duas qualidades que eu abomino.<br />

A Corriveau usa do seu cinismo para não perder o ouro e as riquezas, mas provoca<br />

raiva em Angélique, ao insistir na beleza e bondade da rival.<br />

– Você disse que ela é bonita? Quanto a sua bondade, eu me inquieto um pouco; ela<br />

não servirá para nada perto deste homem. Mas ela é bonita? É isso que eu quero<br />

saber, Corriveau! Ela é mais bonita que eu? O que você acha?<br />

A Corriveau fitou Angélique com seus olhos penetrantes e começou a rir.<br />

– Mais bonita que você? Escute! É como uma visão que eu tive. Ela estava<br />

extremamente bela e triste! Eu a vi de forma mais encantadora que ela realmente<br />

estava em função de sua bondade. Ah! Como ela falava com doçura! Nunca, desde<br />

que eu estou no mundo, nunca ninguém falou comigo como ela!<br />

61 Os Abénaquis são um povo ameríndio da Nova Inglaterra que faz parte dos povos algonquenses. Existem duas<br />

supremacias dos Abénaquis: os Abénaqui do oeste e do leste. O nome Abénaqui é proveniente dos termos wabun<br />

(luz) et a'Ki (terra), podendo ser designado como “povo da manhã”, “povo do sol nascente” ou “povo do leste”.<br />

Como o nome original de seu território corresponde ao hoje conhecido como a Nova Inglaterra, o termo<br />

Abénaqui é, por vezes, utilizado para designar todos os povos da região falante das línguas algonquenses: as<br />

duas tribos dos Abénaquis, os Micmacs (índios do leste do Canadá), os Malécites (habitantes da fronteira entre o<br />

New Brunswick e o Quebec) e os Passamaquoddy (habitantes do mesmo lugar que os Malécites). Disponível em:<br />

http://www.indianamarketing.com/nations/abenaq.htm . Acesso em: 25 out. 2007.<br />

62 O tema dos india<strong>nos</strong> como companheiros e protetores das personagens <strong>feminina</strong>s vítimas é bastante freqüente<br />

nas narrativas orais <strong>quebequense</strong>s. Além da sua presença na lenda da Corriveau, podemos encontrá-los também<br />

na narrativa do padre Henri-Raymond Casgrain, intitulada “La Jongleuse”, em que uma mãe superprotetora sai<br />

para uma viagem de barco em companhia do seu filho Harold, de um canoeiro e de um índio pertencente aos<br />

povos algonquins.<br />

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