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TEXTOS DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVOS

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um pouco de bebida”, significa que não há pressa em buscar mais; mas se diz “tem<br />

pouca bebida”, orienta seu enunciado na direção de “precisamos providenciar mais”<br />

(se a história se passa no deserto, é melhor pensar em água...). Embora, do ponto<br />

de vista informacional, uma garrafa com metade do conteúdo seja uma garrafa com<br />

metade do conteúdo, podemos achar que ainda há bastante bebida ou que já há pouca<br />

bebida. Esta avaliação depende de circunstâncias: quanto estas pessoas bebem numa<br />

ida a um bar ou a uma festa.<br />

Essas análises explicam certas paráfrases: por exemplo, “tem meia garrafa” pode ser<br />

compatível com “ainda tem meia garrafa” (= um pouco), mas também com “só tem<br />

meia garrafa” (= pouco). Em outras palavras: um pouco vai na direção de muito ou<br />

bastante, e pouco vai na direção de nada/insuficiente.<br />

Com análises como essa, Ducrot, indiretamente, permite que sua teoria afete outro<br />

domínio, que se poderia chamar de coerência textual. Se uma passagem do texto diz<br />

que há “pouca esperança” de que as coisas melhorem, o texto não pode continuar num<br />

tom otimista, com “a crise logo vai acabar”. Mas essa “conclusão” pode ser enunciada<br />

coerentemente na sequência de “há um pouco de esperança”.<br />

No lugar de “pouca” e “um pouco”, pode-se dizer “alguma” e “nenhuma”, o que mostra<br />

que há vários recursos para a elaboração de uma argumentação.<br />

O caso mais analisado por Ducrot foi certamente a conjunção “mas”, caso que lhe serviu<br />

tanto para justificar sua tese argumentativa quanto para mostrar o valor do implícito.<br />

Dada uma oração como “a casa é grande, mas é cara” (um período composto por<br />

coordenação, sendo a segunda oração dita adversativa), Ducrot argumenta que, de<br />

fato, a “adversidade” não se dá entre as duas orações explícitas (não há nada em “caro”<br />

que se oponha a “grande”), mas entre as conclusões que se tiram de “casa grande” e de<br />

“casa cara”. Segundo ele, o fato de a casa ser grande é um argumento para “comprar/<br />

alugar”, e o fato de ser cara é um argumento para “não comprar/não alugar”.<br />

Assim, a conjunção “mas” tem um sentido que se pode dizer literal, com duas faces: i) “une”<br />

duas orações, sendo que cada uma delas leva a uma conclusão (implícita); ii) a conclusão<br />

da primeira oração é descartada e a conclusão da segunda oração é aceita, é dominante.<br />

Esta análise fica mais clara se, agora, invertermos os elementos do exemplo: quem<br />

diz “a casa é grande, mas é cara”, implica que não compra/aluga. Mas quem diz “é<br />

cara, mas é grande” implica que compra/aluga.<br />

NOTAS SOBRE SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA<br />

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