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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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estado <strong>de</strong> natureza somente po<strong>de</strong>ria manter-se pacífico numa primeira ou segunda geração,<br />

quando a superiorida<strong>de</strong> natural dos pais impusesse a or<strong>de</strong>m. Esta paz <strong>de</strong>sapareceria com a<br />

morte daqueles ancestrais, o que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria a luta entre seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. O homem tem<br />

mais apetites do que po<strong>de</strong> satisfazer com facilida<strong>de</strong> e, <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista, acha-se<br />

incapacitado para a socieda<strong>de</strong>. Um bando <strong>de</strong>les, colocados em condições equiparáveis, logo<br />

começaria a disputar. A paz só será reintroduzida pelo artifício do governo, que reimpõe a<br />

or<strong>de</strong>m originalmente mantida pelos ancestrais. E o governo é apenas um exemplo do tipo <strong>de</strong><br />

artifício requerido para lutar contra as vonta<strong>de</strong>s, imperfeições e varieda<strong>de</strong> dos apetites dos<br />

homens. Man<strong>de</strong>ville coloca-se, portanto, no pólo oposto a Shafsterbury. Não é a natureza que<br />

<strong>de</strong>ve ser exaltada mas as criações artificiais do homem para tornar a socieda<strong>de</strong> possível.<br />

Man<strong>de</strong>ville argumenta ainda que, pela i<strong>de</strong>alização do senso moral, Shafsterbury<br />

ignora que a moralida<strong>de</strong> exige que a virtu<strong>de</strong> seja acompanhada <strong>de</strong> uma vitória sobre a<br />

natureza. Além disto, o senso moral é incapaz <strong>de</strong> reconhecer a importância do amor próprio<br />

na natureza humana e nas relações entre os homens. Este erro é muito grave <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que um<br />

Estado po<strong>de</strong>roso e próspero somente po<strong>de</strong> ser construído pelo reconhecimento da importância<br />

<strong>de</strong> serem contidos os <strong>de</strong>sejos do homem egoísta.<br />

Man<strong>de</strong>ville revela conhecer razoavelmente as ativida<strong>de</strong>s produtivas <strong>de</strong>senvolvidas<br />

em Londres que, em sua época, já se constituía num gran<strong>de</strong> empório comercial. O que aquela<br />

multidão faz, no sentido <strong>de</strong> empurrar a vida para a frente, nada tem a ver a pregação dos<br />

reformadores religiosos. Em relação ao progresso material, é muito mais importante "a tola e<br />

fútil invenção da saia forrada sobre arcos". Declara ser contra o catolicismo romano tanto<br />

quanto Lutero e Calvino, bem como a própria rainha Elisabeth, mas em matéria <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento social a pregação <strong>de</strong> um é tão inócua quanto a dos outros. “Religião é uma<br />

coisa e comércio é outra” – exclama e acrescenta: “Aquele que dá trabalho a milhares <strong>de</strong><br />

pessoas, inventando as fábricas mais industriosas, certo ou errado, é o maior amigo da<br />

socieda<strong>de</strong>”.<br />

Seu estilo é vivo e atraente na <strong>de</strong>scrição do mundo real, como se po<strong>de</strong> ver dos<br />

exemplos adiante:<br />

“Quanto alvoroço se faz em diversas partes do mundo para produzir um fino pano<br />

escarlate ou carmesim, quantas transações e quantos artífices são necessários! Não se trata dos<br />

óbvios, como cardadores, fian<strong>de</strong>iros, tecelões, operários têxteis, lavadores, tintureiros,<br />

<strong>de</strong>senhistas, mo<strong>de</strong>listas e embaladores; mas <strong>de</strong> outros mais distantes que po<strong>de</strong>riam parecer<br />

estranhos a esta ativida<strong>de</strong>: como os encarregados <strong>de</strong> manutenção das máquinas, os fabricantes<br />

<strong>de</strong> utensílios e os químicos que são necessários, simultaneamente, em outras ativida<strong>de</strong>s, pois<br />

preparam as ferramentas, instrumentos e outros para as tarefas mencionadas; mas todas estas<br />

coisas são feitas em casa e po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>senvolvidas sem perigo ou esgotamento excessivo; o<br />

panorama mais terrível fica por conta da labuta e do risco que temos que suportar no exterior,<br />

os vastos mares por atravessar, os diversos climas por enfrentar, as diferentes nações às que<br />

<strong>de</strong>vemos ser gratos por sua ajuda. Na verda<strong>de</strong>, a Espanha sozinha po<strong>de</strong>ria fornecer-nos toda a<br />

lã para fabricarmos os melhores tecidos; mas quanta habilida<strong>de</strong> e esmero, quanta experiência<br />

e engenho são necessários para tingi-los com as mais belas cores! Os ingredientes químicos<br />

que são misturados em uma cal<strong>de</strong>ira só, estão espalhados pelo universo inteiro! Alume nós<br />

temos, mas precisamos <strong>de</strong> tártaro do Reno e do vitríolo da Hungria; tudo isto fica na Europa;<br />

mas para gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> salitre somos obrigados a ir até as Índias Oci<strong>de</strong>ntais. A<br />

cochinilha, <strong>de</strong>sconhecida pelos mais velhos, não está mais perto, embora em uma região<br />

completamente diferente da terra: nós a compramos dos espanhóis, que não a produzem mas a<br />

trazem para nós dos mais longínquos cantos do Novo Mundo, das Índias Oci<strong>de</strong>ntais ... se<br />

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