Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Na época <strong>de</strong> Eça, no Portugal das últimas décadas do século XIX, ele e Ramalho<br />
alegremente comentaram a situação da família classe média, <strong>de</strong>finindo-a como ‘um agregado<br />
que se reunia para aborrecer-se em comum’. Reuniam-se nas horas das refeições ou antes <strong>de</strong><br />
dormir, numa cida<strong>de</strong> vazia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais, <strong>de</strong> acontecimentos e centros associativos.<br />
Em qualquer cida<strong>de</strong>, tudo hoje é bem diferente. A luta pela chamada<br />
‘emancipação da mulher’ começou, como todo mundo sabe, sob o tema da igualda<strong>de</strong> dos<br />
sexos. Devia escrever ‘igualda<strong>de</strong> jurídica dos sexos’, dada a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> natural, origem <strong>de</strong><br />
outras dissimetrias sociais e psicológicas. De modo que se trataria <strong>de</strong> suprimir <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
oriundas da tirania masculina, consagrada nos sistemas éticos e jurídicos. Os <strong>de</strong>fensores da<br />
liberda<strong>de</strong> sexual ridicularizaram o preconceito da virginda<strong>de</strong> e advogaram o direito da mulher<br />
realizar suas experiências libidinosas antes do casamento. Argumentava-se que essa libertação<br />
proporcionaria, entre outras coisas, experiência que daria maior segurança ao futuro lar. A<br />
educação erótica recíproca era condição do sucesso da agência procriativa da espécie.<br />
Infelizmente, as estatísticas <strong>de</strong>smentiram todo esse lero-lero.<br />
Bem sei que a história não volta atrás e que o antigo lar não se restabeleceria<br />
jamais. Sobre isso não repetirei juízos valor, que seriam sexagenariamente subjetivos.<br />
...<br />
Não creio que a crise da família na transição atual seja a crise da condição<br />
masculina, isto é, a falência histórica da ditadura androcêntrica, recomposta sempre através<br />
das diversas mudanças da civilização. Se, por um lado, o homem compôs a escala <strong>de</strong> valores<br />
<strong>de</strong> uma moral rigidamente protecionista do exercício <strong>de</strong> sua virilida<strong>de</strong> social e política, por<br />
outro lado o feminismo não po<strong>de</strong> se esquivar à responsabilida<strong>de</strong> do fracasso <strong>de</strong>sses valores,<br />
que os <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a ambos. Chesterton escrevia sarcasticamente, há várias décadas, ao ouvir o<br />
barulho eleitoral das sufragistas nas ruas <strong>de</strong> Londres: ‘Vinte milhões <strong>de</strong> mulheres jovens<br />
erguem-se ao grito <strong>de</strong> não queremos ser mandadas – e se fazem mecanógrafas’.<br />
Nessa época elas reclamavam, com estrépito, o direito <strong>de</strong> votar. Viam todas as<br />
condições femininas através <strong>de</strong>ssa aproximação das umas. Solteironas saíam à batalha dando<br />
vazão a seus recalques, na re<strong>de</strong>ntora beligerância contra os homens que as machucavam.<br />
Entretanto, as diferenças nascidas das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s naturais são básicas da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
jurídica, que as consagram e – diga-se a verda<strong>de</strong> – as agravam.<br />
Confessemos o fundamental: Não se tolera mais qualquer discriminação que<br />
afete a igualda<strong>de</strong> jurídica formal entre o homem e a mulher. Eis um princípio proclamado em<br />
nome da própria dignida<strong>de</strong> humana.<br />
...<br />
Estamos ao léu entre duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias. Tabus que agonizam e tabus que<br />
nascem. Nascimento uterino, nessa fase da mudança. Duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> tabus: os moribundos e<br />
os utópicos, ambos inviáveis porque são produtos da insalubrida<strong>de</strong> social e política.<br />
Desaparecerão, quando a saú<strong>de</strong> for reconquistada por essas ida<strong>de</strong>s além.<br />
A sorte da família está condicionada por todo esse imenso complexo <strong>de</strong> forças em<br />
marcha. O i<strong>de</strong>al da família se inspira no amor, expressão do instinto sexual, sublimado pelo<br />
longo processo <strong>de</strong> racionalização da humanida<strong>de</strong>. É o ponto <strong>de</strong> culminância moral, que os<br />
filósofos entreviram no círculo iluminado da philia. A educação sexual, <strong>de</strong>spindo-se da<br />
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