Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Gurvitch se propõe ainda esclarecer a variabilida<strong>de</strong> da experiência moral em<br />
confronto com o que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s morais. (2) Assim, com base nessa distinção,<br />
apelando para a experiência moral, a moral teórica "não verá em cada nova constatação<br />
sociológica, sobre a variação das atitu<strong>de</strong>s morais, senão uma prova da imensa riqueza do<br />
mundo dos valores criativos estritamente individualizados e localizados".<br />
Sobre as relações entre a análise filosófica e a investigação sociológica afirma que<br />
as enquetes sociológicas, "ao fornecer indispensável conhecimento das variações concretas,<br />
enriquecem as consciências morais e a visão do mundo dos valores, em perpétuo <strong>de</strong>venir, na<br />
multiplicida<strong>de</strong> dos seus aspectos, alguns dos quais a moral teórica se propõe justificar; por<br />
outro lado, estas enquetes da ciência dos costumes tornam-se impossíveis sem recorrer à<br />
experiência moral que atribua uma significação moral às atitu<strong>de</strong>s e condutas coletivas,<br />
exteriormente observáveis, e é precisamente o conhecimento filosófico que ajuda a <strong>de</strong>limitar,<br />
entre elas, as obras <strong>de</strong> civilização".<br />
Resumindo o seu projeto, Gurvitch escreve o seguinte: "Trata-se pois para nós <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>screver a experiência moral em sua especificida<strong>de</strong> e em suas diferentes orientações (a<br />
experiência dos <strong>de</strong>veres, a experiência dos valores e a experiência da liberda<strong>de</strong>); cada uma<br />
<strong>de</strong>stas manifestações apresentando as suas próprias variações, nas esferas que daí <strong>de</strong>correm e<br />
que apreen<strong>de</strong>mos na experiência moral mais simbólica ou conceitualizada (o ascen<strong>de</strong>nte da<br />
tradição; os objetivos; os fins; as virtu<strong>de</strong>s, as imagens simbólicas i<strong>de</strong>ais)."<br />
O ponto <strong>de</strong> partida da proposta <strong>de</strong> Gurvitch consistirá na avaliação crítica da<br />
conceituação <strong>de</strong> experiência moral em F. Rauh e Max Scheler.<br />
Crítica a F. Rauh<br />
Frédéric Rauh (1861/1909), foi sucessivamente professor na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Toulouse e Sorbonne. Sua tese <strong>de</strong> doutoramento, <strong>de</strong>fendida em 1890, <strong>de</strong>dica-se a estabelecer<br />
o fundamento metafísico da moral. Mais tar<strong>de</strong>, publicou L'expérience morale (1903) e, ainda,<br />
Étu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> morale (1911). Seu posicionamento foi muito valorizado, tendo merecido, em<br />
1928, uma análise <strong>de</strong>tida do gran<strong>de</strong> filósofo francês Léon Brunschvig (186911944). Além dos<br />
estudos mencionados, Gurvitch louva-se também dos artigos que publicou na Revue <strong>de</strong><br />
Métaphysique, em especial "Sur la position du problème du libre arbitre"(1904) e "L'idée<br />
d'experience" (1908).<br />
A consi<strong>de</strong>ração do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Rauh é essencial para o a<strong>de</strong>quado<br />
entendimento da solução sugerida por Gurvitch, porquanto toma-a como referência. Vamos<br />
portanto nos limitar a resumir os enunciados do próprio Gurvitch, já que não faria sentido, na<br />
circunstância, avançar outra interpretação, consultando diretamente aqueles textos. (3)<br />
Deve-se a Rauh a distinção entre experiência moral e experiência natural que,<br />
como vimos, é também um dos pontos <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Gurvitch. No entendimento do primeiro,<br />
a experiência natural (científica) é construída; trata com fatos objetivos e mensuráveis que,<br />
a<strong>de</strong>mais disto, são selecionados, no sentido que Galileu <strong>de</strong>u à sua tese <strong>de</strong> que seria necessário<br />
interrogar a natureza, obrigá-la a respon<strong>de</strong>r àquilo <strong>de</strong> que nos ocupamos, ou na proposição <strong>de</strong><br />
(2) Este conceito talvez possa ser aproximado daquilo que Miguel Reale <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> invariantes axiológicos<br />
(“existência ou <strong>de</strong> valores fundamentais e fundantes que guiam os homens, ou lhes sirvam <strong>de</strong> referência em sua<br />
faina cotidiana”. Paradigmas da cultura brasileira, Ed. Saraiva, 1996).<br />
(3) Encontram-se na Primeira Seção do capítulo III, na edição citada às págs. 91-100.<br />
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