Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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insensato, que edificou a sua casa sobre areia. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram<br />
os ventos, investiram contra aquela casa e ela caiu, e foi gran<strong>de</strong> a sua ruína.'<br />
Aconteceu que, tendo Jesus acabado este discurso, estavam as multidões<br />
admiradas da sua doutrina, porque os ensinava como quem tinha autorida<strong>de</strong>, e não como os<br />
seus escribas."<br />
e) I<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana e acepção <strong>de</strong> pessoa humana<br />
Embora o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana constitua o núcleo da moral oci<strong>de</strong>ntal, em<br />
certos ciclos históricos ou em segmentos nacionais po<strong>de</strong> vigorar acepção <strong>de</strong> pessoa humana<br />
que se contraponha àquele i<strong>de</strong>al. O entendimento do homem, como "bom selvagem", na<br />
doutrina <strong>de</strong> Rousseau, embora aparentemente exalte as qualida<strong>de</strong>s do homem, acabou<br />
inspirando sistemas messiânicos opressores. Assim, é imprescindível distinguir entre i<strong>de</strong>al e<br />
acepção <strong>de</strong> pessoa humana, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r apreen<strong>de</strong>r qual a verda<strong>de</strong>ira forma como é<br />
encarado nos momentos históricos ou correntes <strong>de</strong> pensamento.<br />
No Brasil – como <strong>de</strong> resto na cultura portuguesa – vigorou durante largo período<br />
uma visão negativa do homem. Essa visão vincula-se à vertente pessimista formada no seio do<br />
cristianismo, expressa com toda a clareza no famoso escrito do diácono Lotario <strong>de</strong> Segni,<br />
mais tar<strong>de</strong> elevado ao trono papal (1198/1216) com o nome <strong>de</strong> Inocêncio III, O <strong>de</strong>sprezo do<br />
mundo (De contemptu mundi), revelador do mais solene e profundo <strong>de</strong>sprezo não tanto pelo<br />
próprio mundo mas pela condição humana, colocada mesmo abaixo dos vegetais. Assim,<br />
escreve: "Andas pesquisando ervas e árvores; estas, porém, produzem flores, folhas e frutos, e<br />
tu produzes <strong>de</strong> ti lên<strong>de</strong>as, piolhos e vermes; elas lançam do seu interior azeite, vinho e<br />
bálsamo, e tu, do teu corpo, saliva, urina, excrementos."<br />
A forma <strong>de</strong> que se revestiu essa visão pessimista foi <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> saber <strong>de</strong><br />
salvação, que se caracteriza pelos traços adiante resumidos.<br />
O elemento <strong>de</strong>finidor consiste no <strong>de</strong>sprezo do mundo, da maneira como o entendia<br />
Lotario <strong>de</strong> Segni, no texto antes referido. O mundo é aqui i<strong>de</strong>ntificado sobretudo com a<br />
dimensão corpórea, na qual se integra o próprio homem. Concebe-se a este como ser<br />
corrompido precisamente em <strong>de</strong>corrência da circunstância.<br />
O mundo não estaria aí para que os homens nele erigissem algo digno da glória <strong>de</strong><br />
Deus, como nos primórdios do protestantismo em geral e no puritanismo em particular - mas<br />
para tentá-lo. Desse modo, a resistência à tentação equivale ao comportamento ético por<br />
excelência.<br />
À transitorieda<strong>de</strong> da tentação opõe-se a eternida<strong>de</strong> da salvação. Tais são os<br />
ingredientes fundamentais do saber <strong>de</strong> salvação. Além do que se disse, tem a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gerar um estado <strong>de</strong> espírito muito diverso da vivência interior do religioso <strong>de</strong> nossos dias, no<br />
sentido seguinte: trata-se <strong>de</strong> um projeto existencial cuja valida<strong>de</strong> é diretamente proporcional<br />
ao seu grau <strong>de</strong> exteriorização. Não fora o homem quase impotente diante do pecado, quando<br />
entregue a si mesmo; pu<strong>de</strong>sse assimilar, sem resistência, o que é, na verda<strong>de</strong>, a própria<br />
consciência culpada, seu resultado seria uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascetas ou penitentes. Como esse<br />
<strong>de</strong>sfecho não ocorre <strong>de</strong> modo espontâneo, os que ascen<strong>de</strong>m ao saber <strong>de</strong> salvação <strong>de</strong>vem<br />
erigir-se em mo<strong>de</strong>lo e configurar a socieda<strong>de</strong> à sua imagem.<br />
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