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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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d) Os equívocos a que induziu a noção <strong>de</strong> phronesis<br />

O emprego por Aristóteles da palavra phronesis para indicar o estado mais<br />

elevado da vida em socieda<strong>de</strong> – isto é, do que seria uma espécie <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> suprema –<br />

induziu a muitos equívocos. O sentido mais próximo da nossa compreensão seria "intuição<br />

dos valores éticos transcen<strong>de</strong>ntes". Ao apreendê-los, o homem estaria em condições <strong>de</strong><br />

aquilatar plenamente da a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> sua conduta moral. Presumivelmente, o que Aristóteles<br />

tinha em vista não era naturalmente a totalida<strong>de</strong> dos cidadãos passíveis <strong>de</strong> praticar a virtu<strong>de</strong> –<br />

tenha-se presente que, no seu modo <strong>de</strong> ver, a virtu<strong>de</strong> não estava ao alcance <strong>de</strong> todos, exigindo<br />

pré-requisitos em matéria <strong>de</strong> bens e saú<strong>de</strong> –, aos quais incitava com o seu discurso, mas<br />

apenas uns quantos sábios. Quando se trata das virtu<strong>de</strong>s intelectuais, diz mesmo que a<br />

sabedoria é um atributo dos homens políticos e dos chefes <strong>de</strong> família, tomando naturalmente o<br />

mo<strong>de</strong>lo dos bens sucedidos.<br />

saber.<br />

A phronesis seria pois uma espécie <strong>de</strong> refinamento do homem que é possuidor do<br />

Ora, Platão empregou a mesma palavra para <strong>de</strong>signar a contemplação das idéias e<br />

o próprio Aristóteles numa parte <strong>de</strong> sua vida adotou a posição platônica. Na <strong>Ética</strong> a<br />

Nicômaco, contudo, a phronesis volta a restringir-se à esfera moral.<br />

Ao rastrear a história <strong>de</strong>sse conceito no pensamento medieval, Gauthier registra<br />

que nos primeiros tempos, seguindo a Cícero, o termo foi traduzido indiferentemente por<br />

pru<strong>de</strong>ntia e sapientia. O termo sapiência caiu em <strong>de</strong>suso, sendo substituído por sabedoria que,<br />

ao traduzir phronesis, quer dizer, a seu juízo, "um bom senso concreto, um saber vivo, um<br />

equilíbrio moral, um princípio <strong>de</strong> ação sereno e profundo, que não se po<strong>de</strong>ria exprimir <strong>de</strong><br />

outro modo, em termos aristotélicos, o que é, por oposição à sophia, a phronesis". (4)<br />

A palavra prudência, na linguagem ordinária, per<strong>de</strong>u o seu antigo vigor. Enten<strong>de</strong><br />

Gauthier que seu significado teria sido reduzido a uma espécie <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> evitar riscos. Tratase<br />

certamente <strong>de</strong> uma qualida<strong>de</strong> mas nunca da qualida<strong>de</strong> suprema.<br />

A questão se torna mais grave quando, traduzida como contemplação, é inserida<br />

por São Tomás num contexto teológico. Nada portanto mais distanciado das preocupações <strong>de</strong><br />

Aristóteles. A propósito, escreve Gauthier:<br />

"A moral <strong>de</strong> São Tomás, pela circunstância mesma <strong>de</strong> que é teologia, é uma moral<br />

<strong>de</strong> Deus. Certamente que a idéia <strong>de</strong> Deus não está, <strong>de</strong> modo obrigatório, ausente <strong>de</strong> uma<br />

filosofia moral. Muito ao contrário: a filosofia moral somente se coroa se se eleva até Deus.<br />

Mas, se Deus é a última palavra da filosofia moral, é a primeira da teologia moral, razão pela<br />

qual o moralista filósofo que chega à II Parte <strong>de</strong> S. Tomás encontra-se profundamente<br />

confundido. Des<strong>de</strong> logo, é <strong>de</strong> Deus que fala S. Tomás, sem que haja consi<strong>de</strong>rado previamente<br />

os temas primeiros da moral: o bem ou o <strong>de</strong>ver, a consciência ou a lei moral; todos estes<br />

temas, sem dúvida, encontram-se na teologia moral <strong>de</strong> S. Tomás, mas somente aparecem<br />

subrepticiamente e como que por aci<strong>de</strong>nte, pelo menos muito tardiamente aos olhos do<br />

filósofo. A primeira vista, a construção tomista parece calcada na <strong>Ética</strong> a Nicômaco: num,<br />

como no outro caso, não é a felicida<strong>de</strong> que se coloca ao princípio da moral? Enganosa<br />

aparência! A construção tomista retira seu princípio não <strong>de</strong> Aristóteles mas da bemaventurança<br />

do Sermão da Montanha; a análise aristotélica da felicida<strong>de</strong> somente fornece o<br />

(4) L’Éthique a Nicomaque – Tome I – Première Partie – Introduction par René Antoine Gauthier.<br />

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