Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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da ação. Embora não haja logrado <strong>de</strong>slindar completamente a relação entre as componentes<br />
individual e coletiva, correspon<strong>de</strong> a uma <strong>de</strong>scoberta notável o fato <strong>de</strong> que a análise não po<strong>de</strong><br />
ater-se aos aspectos introspectivos, <strong>de</strong>vendo ter presente os referenciais valorativos exteriores.<br />
A psicologia i<strong>de</strong>ntifica tipos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s cuja compreensão tem evi<strong>de</strong>ntemente um<br />
gran<strong>de</strong> valor moral. (1) Contudo, quando se trata <strong>de</strong> bem caracterizar a singularida<strong>de</strong> da<br />
experiência moral, cumpre buscar o que têm em comum as concretas experiências. A<br />
variabilida<strong>de</strong> por ventura suscitada por características próprias <strong>de</strong> indivíduos ou povos<br />
integra-se e está superiormente referida à própria natureza do valor que não po<strong>de</strong> ficar<br />
circunscrito às virtualida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vendo <strong>de</strong> alguma forma realizar-se (sem o que não se tornará<br />
referencial), mas tampouco po<strong>de</strong> exaurir-se sem per<strong>de</strong>r o seu caráter essencial.<br />
O ato moral é certamente uma escolha, circunstância <strong>de</strong> que não escapam nem<br />
mesmo os povos. Gurvitch tem razão quando vincula a escolha ao que chama <strong>de</strong> conteúdos<br />
(i<strong>de</strong>ais, valores reconhecidos e as normas que os suportam). Ainda assim, há uma dimensão<br />
impositiva que também precisa ser levada em conta. Não apenas no seio das famílias on<strong>de</strong> se<br />
verifica (ou <strong>de</strong>veria verificar-se) a formação moral dos indivíduos. Mas os próprios povos têm<br />
que se submeter a imposições que provenham <strong>de</strong> tradições aceitas pacificamente ou quando o<br />
rumo dos acontecimentos reveste-se <strong>de</strong> força incoercível.<br />
Ainda que falte ao conceito a clareza que é certamente a nota distintiva do<br />
conjunto <strong>de</strong> sua obra, a noção <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> moral aventada por Gurvitch po<strong>de</strong> ser interpretada<br />
num sentido que favoreça a compreensão da experiência moral. Como indicamos, postula<br />
encontrar-se subjacente às condutas, sendo uma disposição para reagir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado modo.<br />
Se é assim, a nota distintiva seria a previsibilida<strong>de</strong>, se bem que, como soe acontecer no<br />
conjunto da vida social, não há graus <strong>de</strong> certeza passíveis <strong>de</strong> serem fixados <strong>de</strong> antemão. Desse<br />
ponto <strong>de</strong> vista, enfraquece o conceito atribuir-lhe, alternativamente, caráter flutuante ou<br />
persistente; inesperado ou previsível; incompreensível ou acessível à compreensão, como faz<br />
Gurvitch. Na vida das pessoas, como dos povos, aparece o que Miguel Reale tem <strong>de</strong>nominado<br />
<strong>de</strong> invariantes axiológicas. Se formos capazes <strong>de</strong> bem compreendê-las, aumentamos o grau <strong>de</strong><br />
previsibilida<strong>de</strong>. Por isto parece essencial <strong>de</strong>stacar o papel da tradição e não apenas referi-la,<br />
como faz Gurvitch.<br />
Também o que chama <strong>de</strong> investigação sociológica – que fornece “o indispensável<br />
conhecimento das variações concretas, enriquecem as consciências morais e a visão do mundo<br />
dos valores”, como escreve – precisaria ser <strong>de</strong>vidamente qualificada. Se preten<strong>de</strong>mos que<br />
contribua para a compreensão da experiência moral, <strong>de</strong>ve consistir no inventário das tradições<br />
culturais, cujo substrato último há <strong>de</strong> consistir na componente moral. Por esse meio,<br />
adicionalmente, po<strong>de</strong>mos fixar com niti<strong>de</strong>z o que po<strong>de</strong>ria diferenciar a experiência moral<br />
individual da coletiva e, numa certa medida, as circunstâncias limitativas da primeira. Com<br />
efeito, parodiando a afirmativa hegeliana – contida na Filosofia do direito, <strong>de</strong> que ninguém<br />
po<strong>de</strong> ultrapassar o seu tempo –, ninguém po<strong>de</strong> escapar do contexto histórico em que adquiriu<br />
a sua formação moral. É este certamente um passo na direção do relativismo, quando a nossa<br />
busca visa apreen<strong>de</strong>r permanências e valores absolutos, ainda que como referências e sem se<br />
constituírem em camisas <strong>de</strong> força. Mas, quer o explicitemos ou não, a própria discussão moral<br />
em que estamos envolvidos tem como parâmetro a cultura oci<strong>de</strong>ntal. Como indicamos , na<br />
Segunda Parte <strong>de</strong>sta obra, ao caracterizar a ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vida a Max Weber, a<br />
postulação do homem universal, avançada por Kant, enfraquece o caráter nuclear do<br />
imperativo categórico – e também o seu valor heurístico – já que se trata <strong>de</strong> tomar como<br />
(1) Os tipos criados pela tragédia grega, que Shakespeare leva á mais perfeita realização, permitiu a Harold<br />
Bloom dizer que coube a este último a invenção do humano.<br />
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