Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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primeiro caso, o conceito da ação em si mesma contém já uma lei para mim; mas no segundo<br />
caso, preciso, antes <strong>de</strong> mais nada, tentar <strong>de</strong>scobrir alhures quais as conseqüências que se<br />
seguirão à minha ação. Porque, se me <strong>de</strong>svio do princípio do <strong>de</strong>ver, cometo <strong>de</strong>certo uma ação<br />
má; mas se abandono minha máxima <strong>de</strong> prudência, posso, em certos casos, auferir daí graves<br />
vantagens, embora, na verda<strong>de</strong>, seja mais seguro ater-me a ela. Afinal <strong>de</strong> contas, no<br />
concernente à resposta a esta questão: se uma promessa mentirosa é conforme ao <strong>de</strong>ver, o<br />
meio mais rápido e infalível <strong>de</strong> me informar consiste em perguntar a mim mesmo: ficaria eu<br />
satisfeito, se minha máxima (tirar-me <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s por meio <strong>de</strong> uma promessa enganadora)<br />
<strong>de</strong>vesse valer como lei universal (tanto para mim como para os outros)? Po<strong>de</strong>rei dizer a mim<br />
mesmo: po<strong>de</strong> cada homem fazer uma promessa falsa, quando se encontra em dificulda<strong>de</strong>s, das<br />
quais não logra safar-se <strong>de</strong> outra maneira? Deste modo, <strong>de</strong>pressa me convenço que posso bem<br />
querer a mentira, mas não posso, <strong>de</strong> maneira nenhuma, querer uma lei que man<strong>de</strong> mentir;<br />
pois, como conseqüência <strong>de</strong> tal lei, não mais haveria qualquer espécie <strong>de</strong> promessa, porque<br />
seria, <strong>de</strong> fato, inútil manifestar minha vonta<strong>de</strong> a respeito <strong>de</strong> minhas ações futuras a outras<br />
pessoas que não acreditariam nessa <strong>de</strong>claração, ou que, se acreditassem à toa, me retribuiriam<br />
<strong>de</strong>pois na mesma moeda; <strong>de</strong> sorte que minha máxima, tão logo fosse arvorada em lei<br />
universal, necessariamente se <strong>de</strong>struiria a si mesma. (5)<br />
A seu ver, com base nesse princípio, a razão está em condições <strong>de</strong> distinguir o que<br />
é bom do que é mau, enfim, a moralida<strong>de</strong> das próprias ações.<br />
Na Segunda Seção ("Passagem da filosofia moral popular à metafísica dos<br />
costumes"), Kant <strong>de</strong>fine a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar o princípio supremo da moralida<strong>de</strong> sem<br />
apelo à experiência. Depois <strong>de</strong> justificar a assertiva, avança a hipótese <strong>de</strong> que sendo um ser<br />
racional, o homem é o único que se acha em condições <strong>de</strong> agir segundo a representação da lei<br />
ou segundo princípios. A representação <strong>de</strong> um princípio objetivo <strong>de</strong>nomina-se mandamento e<br />
sua fórmula chama-se imperativo.<br />
Dentre os imperativos distingue aqueles que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> técnicos, isto é, quando<br />
requerem obrigatoriamente uma ação <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> sentido moral (se quero sair da sala,<br />
tenho que abrir a porta) ou pragmáticos, isto é, recomendam-se ao nosso bem-estar, po<strong>de</strong>ndo<br />
mesmo estar relacionados à moralida<strong>de</strong> convencional. Para Kant, entretanto, quando se trata<br />
da moral, como a enten<strong>de</strong>, há apenas um imperativo categórico a que dá a seguinte fórmula:<br />
"Proce<strong>de</strong> apenas segundo aquela máxima, em virtu<strong>de</strong> da qual po<strong>de</strong>s querer ao mesmo tempo<br />
que ela se torne uma lei universal". Dessa fórmula <strong>de</strong>duz o seguinte imperativo prático:<br />
"Proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira que trates a humanida<strong>de</strong>, tanto na tua pessoa como na <strong>de</strong> todos os outros,<br />
sempre e ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio". Sinteticamente diz-se: o<br />
homem é um fim em si mesmo e não po<strong>de</strong> ser usado como meio.<br />
A formulação kantiana correspon<strong>de</strong> a uma síntese genial do conteúdo dos Dez<br />
Mandamentos. Com efeito, em se tratando da ação e abstraída a circunstância <strong>de</strong> que o<br />
cumprimento da lei moral cristã possa estar associada à aspiração <strong>de</strong> assegurar a salvação cia<br />
alma, os mandamentos do Profeta apontam no sentido da perfeição, isto é, <strong>de</strong>screvem um<br />
i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana. A moral kantiana marca, portanto, um dos pontos altos da<br />
moralida<strong>de</strong> cristã que tantos percalços experimentaria na cultura oci<strong>de</strong>ntal.<br />
Nesta Segunda Seção, Kant estabelece ainda a autonomia da vonta<strong>de</strong>.<br />
Compreen<strong>de</strong>ndo o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver sua submissão à lei, há uma certa sublimida<strong>de</strong> e<br />
(5) Edição cit., p. 262.<br />
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