Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Igreja; cultura e acesso <strong>de</strong>ssa ou daquela nação ou <strong>de</strong> toda a humanida<strong>de</strong> a um certo nível <strong>de</strong><br />
civilização.<br />
mal.<br />
150<br />
Tampouco se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>cidir se o curso do mundo dá-se no sentido do bem ou do<br />
Escreve: “Toda tentativa, por conseguinte, <strong>de</strong> estabelecer previamente uma<br />
direção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do “mundo” ou da “vida” presente, ou da “cultura” humana (sem<br />
se perguntar se esse <strong>de</strong>senvolvimento apresenta caráter progressivo, ten<strong>de</strong>ndo a um acréscimo<br />
<strong>de</strong> valor; ou caráter regressivo, tendo a uma diminuição <strong>de</strong> valor), para medir em seguida o<br />
valor moral dos atos da vonta<strong>de</strong> em relação ao curso daquele <strong>de</strong>senvolvimento, contém, ipso<br />
facto, todos os traços <strong>de</strong>sta ética <strong>de</strong> bens que Kant com razão rejeitou”. (1)<br />
Scheler conclui que o mesmo se po<strong>de</strong>ria dizer <strong>de</strong> toda ética que, <strong>de</strong> antemão,<br />
preten<strong>de</strong>sse estabelecer um objetivo. Assim, parece-lhe, comprova-se a significação da<br />
<strong>de</strong>scoberta efetivada por Kant. Outra coisa são as conseqüências que daí retira.<br />
O equívoco <strong>de</strong> Kant, na visão <strong>de</strong> Scheler, consiste em haver i<strong>de</strong>ntificado bens e<br />
valores. Mesmo no plano dos valores sensíveis (agradável, <strong>de</strong>sagradável, etc.) não é possível<br />
<strong>de</strong>scobrir, nas próprias coisas, os caracteres comuns que os distinguiria. No caso dos valores<br />
morais, a questão é ainda mais grave porquanto as tentativas <strong>de</strong> associá-las a critérios<br />
exteriores às pessoas (disposições <strong>de</strong>sejáveis no corpo ou na alma; pertencer a esse ou àquele<br />
partido, etc.) leva sempre a equívocos lamentáveis, ou, como diz expressamente: “cada vez<br />
que falamos <strong>de</strong> “homens <strong>de</strong> bem” ou dos “justos” como seres constituindo classes<br />
objetivamente <strong>de</strong>termináveis e <strong>de</strong>finíveis, sucumbe-se necessariamente a alguma forma <strong>de</strong><br />
farisaísmo, confundindo os suportes possíveis do “bom” e seus caracteres distintivos”.<br />
A inferência que Scheler faz <strong>de</strong>ssa análise acha-se formulada <strong>de</strong>ste modo:<br />
“Resulta que existem qualida<strong>de</strong>s axiológicas autênticas e verda<strong>de</strong>iras, que constituem domínio<br />
próprio <strong>de</strong> objetos, que entretêm entre si certas relações e correlações <strong>de</strong>terminadas, e que,<br />
enquanto qualida<strong>de</strong>s axiológicas, po<strong>de</strong>m situar-se em níveis diferentes. Deve, pois, ser<br />
possível estabelecer entre estes valores uma or<strong>de</strong>m e uma hierarquia totalmente<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> bens através do qual se manifestam, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes também<br />
das modificações históricas <strong>de</strong>ste mundo”. (2)<br />
Antes <strong>de</strong> apresentar a sua proposta <strong>de</strong> hierarquização dos valores, Max Scheler<br />
avança alguns conceitos que precisariam ser consi<strong>de</strong>rados, a fim <strong>de</strong> bem situar o seu<br />
posicionamento, em especial a forma como trata <strong>de</strong> comprovar que a experiência humana é<br />
que facultaria o acesso àquela hierarquização, que, <strong>de</strong>ste modo, seria dotada <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>.<br />
Seguindo a Kant e traduzindo-o na sua linguagem, Scheler diz que tem razão<br />
quando sustenta que os valores morais não po<strong>de</strong>m ser meios para fins, mas consi<strong>de</strong>ra ilegítima<br />
a inferência <strong>de</strong> que os valores materiais somente existem com referência a um querer que se<br />
coloca com <strong>de</strong>terminados fins. Scheler distingue fins <strong>de</strong> objetivos e tendências.<br />
No entendimento <strong>de</strong> Scheler, quando falamos <strong>de</strong> objetivo não estamos<br />
necessariamente falando <strong>de</strong> tendência. Inversamente, po<strong>de</strong>-se falar <strong>de</strong>sta última dissociando-a<br />
dos objetivos referidos para expressá-la. Do ponto <strong>de</strong> vista formal, o objetivo consiste no<br />
(1) Le formalisme en éthique. Traduction <strong>de</strong> l’allemand par Maurice <strong>de</strong> Gandillac, 7e. edition, Paris, Gallimard,<br />
1955, p. 35.<br />
(2) Ed. cit., p. 39-40.