Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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De 1728 a 1765 o livro veio a merecer cinco edições sucessivas, o que é indício claro <strong>de</strong> que<br />
encarna o espírito da época.<br />
A pregação moral nessa obra se faz em torno <strong>de</strong> cada um dos mandamentos. O<br />
autor <strong>de</strong>screve a situação <strong>de</strong> pecado com que se <strong>de</strong>fronta em sua peregrinação pelo Brasil, a<br />
linha <strong>de</strong> argumentação com que a combateu (baseada sempre em textos religiosos e exemplos<br />
históricos) e as formas <strong>de</strong> castigo que teria presenciado. Em sua narração o homem aparece<br />
como uma criatura <strong>de</strong>sprezível.<br />
Acerca da condição humana na terra escreve Nuno Marques Pereira:<br />
"Sabei que é este mundo estrada <strong>de</strong> peregrinos e não lugar, nem habitação <strong>de</strong><br />
moradores, porque a verda<strong>de</strong>ira pátria é o Céu, como assim o advertiu São Gregório, Papa;<br />
que, por isso, enquanto andam os homens neste mundo, lhes chamam caminhantes. E diz São<br />
João Crisóstomo que neste mundo não há mais que uma virtu<strong>de</strong>, da qual se compõem as<br />
outras: e é o ter-se por peregrino nesta vida, e por cidadão da Glória."<br />
E quem assim conhecer a sua Pátria, com razão po<strong>de</strong>rá dizer com Davi: "Ai <strong>de</strong><br />
mim, porque é prolongada a minha peregrinação!" O qual, falando com Deus, diz: "Não<br />
caleis, Senhor; porque eu sou adventício, estrangeiro e peregrino diante <strong>de</strong> Vós, como foram<br />
os meus antepassados." Como quem queria dizer: "Senhor, pois eu não faço caso das injúrias<br />
dos homens, nem das proprieda<strong>de</strong>s da terra, e nela me trato como quem vai <strong>de</strong> caminho; não<br />
tapeis vossos ouvidos a meus clamores!"<br />
Por esta causa premiou Deus a Abraão, por se fazer peregrino, com o fazer pai <strong>de</strong><br />
todas as gentes; por ver o zelo com que o amava, <strong>de</strong>sprezando todo o sossego do mundo pelo<br />
servir. Este foi também o modo <strong>de</strong> vida que Deus <strong>de</strong>u e ensinou a Isaac, quando o mandou<br />
para a terra <strong>de</strong> Canaan, que <strong>de</strong>via morar e juntamente ser peregrino. E diz São Paulo, falando<br />
com os homens, que são todos peregrinos e que não têm aqui cida<strong>de</strong> permanente e própria; e<br />
que vão caminhando e buscando-a, que é sem dúvida a Glória. Do Aba<strong>de</strong> Olímpio se conta<br />
que perguntando-se-lhe <strong>de</strong> que modo se viveria no mundo, <strong>de</strong>u em resposta: "Trata-te e<br />
estima-te como peregrino." Finalmente, Cristo, Senhor nosso, também se chamou peregrino, e<br />
os Apóstolos também o foram, enquanto viveram neste mundo.<br />
E, por isso, com gran<strong>de</strong> razão disse Davi que toda a vida do homem neste mundo<br />
não é mais que um quase entrar nele e sair logo. E em outro lugar (Psalm. 136. v. 4), como<br />
po<strong>de</strong>mos alegrar-nos em terra alheia? E Job, com viver duzentos e quarenta e tantos anos,<br />
disse que a sua vida era uma trasladação, somente, <strong>de</strong> um sepulcro para outro: do ventre para<br />
a sepultura.<br />
"E assim permitiu Deus que a vida do homem fosse breve, para que ele nem com<br />
as proprieda<strong>de</strong>s se ensoberbecesse, vendo o pouco tempo que as havia <strong>de</strong> gozar; nem com as<br />
adversida<strong>de</strong>s per<strong>de</strong>sse o ânimo, vendo que em breve haviam <strong>de</strong> acabar; e para que se<br />
resolvesse a se mortificar e viver conforme aos preceitos divinos e conselhos <strong>de</strong> Cristo, tendo<br />
por gran<strong>de</strong> ventura o comprar, com trabalhos <strong>de</strong> uma breve na terra, os gostos eternos na<br />
Glória, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve sempre ter o seu pensamento e o coração, tendo-se, neste mundo, por<br />
peregrino e <strong>de</strong>sterrado, fugindo <strong>de</strong> empregar o seu coração na terra; porque, como aconselha<br />
Santo Agostinho, on<strong>de</strong> estão fixos e permanentes os nossos corações, aí estão os nossos<br />
gostos.<br />
"E <strong>de</strong>ste discurso se segue que se <strong>de</strong>vem tratar e haver os homens como<br />
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