Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Salta aos olhos, todavia, que a felicida<strong>de</strong> requer que se agregue ainda à virtu<strong>de</strong> os<br />
bens exteriores, como dissemos; pois é, senão impossível, ao menos difícil <strong>de</strong> cumprir as<br />
belas ações sem o concurso dos bens exteriores. Antes <strong>de</strong> mais nada, há tantas coisas que se<br />
alcança com a ajuda <strong>de</strong> instrumentos, através dos amigos, da riqueza, do po<strong>de</strong>r político! E, em<br />
seguida, existem bens cuja privação empana nossa beatitu<strong>de</strong>, a exemplo do bom nascimento,<br />
<strong>de</strong> belos e numerosos filhos, da beleza: não se terá sido feito plena felicida<strong>de</strong> se não se tem<br />
boa aparência, ou se não dispõe <strong>de</strong> bom nascimento, sendo solitário e sem filhos; e,<br />
seguramente, menos ainda se se tem filhos ou amigos <strong>de</strong>sagradáveis, ou se bons, chegam a<br />
morrer. Como dissemos antes, a felicida<strong>de</strong> tem necessida<strong>de</strong> que acrescentemos à virtu<strong>de</strong> tudo<br />
aquilo que po<strong>de</strong> tornar a vida serena como um belo dia. Daí provém que aquilo que coinci<strong>de</strong><br />
com a felicida<strong>de</strong> é, para uns, a sorte, e, para outros, a virtu<strong>de</strong>." (3)<br />
Muitos intérpretes procuraram reduzir a moral aristotélica às próprias doutrinas,<br />
notadamente a Escolástica. A esse propósito Gauthier adverte que São Tomás tratava <strong>de</strong><br />
teologia, isto é, da problemática relacionada à divinda<strong>de</strong> e não aos homens em socieda<strong>de</strong>,<br />
on<strong>de</strong> a moralida<strong>de</strong> adquire seu sentido pleno. Assim, fala da bem-aventurança e<br />
contemplação <strong>de</strong> Deus, isto é, da felicida<strong>de</strong> eterna e da vida após a morte, quando Aristóteles<br />
cuida do bem viver na cida<strong>de</strong> grega, como teremos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> examinar mais<br />
<strong>de</strong>tidamente no item seguinte.<br />
Contudo, não é necessário isolar Aristóteles <strong>de</strong> seu próprio contexto para dar-se<br />
conta da grandiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua obra e da perenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong> suas reflexões. Na maioria<br />
dos casos, seus temas são os da moralida<strong>de</strong> em todos os tempos.<br />
Aten<strong>de</strong>ndo aos propósitos da presente análise que se limitam a tentar apreen<strong>de</strong>r o<br />
espírito da doutrina aristotélica a fim <strong>de</strong> contrastá-lo com a interpretação popularizada na Alta<br />
Ida<strong>de</strong> Média, o que talvez explique não haja sido sequer tomada como referência, na<br />
meditação mo<strong>de</strong>rna , vamos nos limitar à indicação do conteúdo básico da <strong>Ética</strong> a Nicômaco,<br />
sem nos <strong>de</strong>termos no estudo minucioso <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>sses aspectos.<br />
b) As virtu<strong>de</strong>s morais<br />
Aristóteles apresenta no capítulo 7 do Livro II uma tábua das virtu<strong>de</strong>s e dos<br />
vícios. Essa tábua é precedida dos seguintes elementos:<br />
Capítulo 1 – Justificação da tese <strong>de</strong> que a virtu<strong>de</strong> se adquire pelo hábito.<br />
Capítulo 2 – Parte da tese geral <strong>de</strong> que agir segundo a regra é insuficiente, cabendo ainda<br />
averiguar qual a regra correta. Apresenta as seguintes:<br />
1ª – Realizar ações comedidas (primeira noção <strong>de</strong> justo meio).<br />
2ª – Produzir ações idênticas à virtu<strong>de</strong>.<br />
Capítulo 3 – E pelo prazer ou pela dor causada pelos atos que se avalia o homem virtuoso. Daí<br />
conclui a 3ª regra: "É necessário apren<strong>de</strong>r a experimentar a dor ou o prazer".<br />
(3) L’Éthique a Nicomaque. Tome I – Deuxième Partie; traduction par René Antoine Gauthier, Louvain,<br />
Publications Universitaires, 2eme ed., 1970, p. 19-20 (tradução <strong>de</strong> A.P.).<br />
73