Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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O sagrado e o profano, (1) resume o essencial da investigação do notável estudioso.<br />
Elia<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>ixa impressionar pela secularização promovida pela Época Mo<strong>de</strong>rna<br />
Oci<strong>de</strong>ntal, convencido que está <strong>de</strong> que muitas das atitu<strong>de</strong>s dos mo<strong>de</strong>rnos encontram sua<br />
explicação última na religiosida<strong>de</strong> do homem. O livro estuda a experiência religiosa, <strong>de</strong>tendose<br />
no exame da construção das idéias <strong>de</strong> espaço e tempo, e, finalmente, da vivência religiosa<br />
propriamente dita. Na conclusão examina especificamente o tema do sagrado e do profano no<br />
mundo mo<strong>de</strong>rno.<br />
Para Mircea Elia<strong>de</strong>, o homem toma conhecimento do sagrado porque “este se<br />
manifesta, se mostra como qualquer coisa <strong>de</strong> absolutamente diferente do profano”. O autor<br />
romeno propõe o termo hierofania para indicar o ato da manifestação do sagrado; esse termo,<br />
aliás, é prático, porquanto apenas exprime o conteúdo etimológico, a saber que “algo sagrado<br />
se nos mostra”. As religiões não são mais do que o enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> hierofanias. Nelas,<br />
encontramo-nos diante <strong>de</strong> algo misterioso: a manifestação <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> diferente, que não<br />
pertence ao nosso mundo, através <strong>de</strong> objetos que formam parte <strong>de</strong>le. No fato da hierofania<br />
aparece no sentir <strong>de</strong> Mircea Elia<strong>de</strong>, um paradoxo que ele <strong>de</strong>staca da seguinte forma: “(...)<br />
Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e contudo, continua a ser ele<br />
mesmo, porque continua a participar do seu meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada<br />
nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (com maior exatidão; <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista<br />
profano) nada distingue <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais pedras. Para aqueles que a cujos olhos uma pedra<br />
se revela sagrada, a sua realida<strong>de</strong> imediata transmuda-se numa realida<strong>de</strong> sobrenatural. Por<br />
outros termos, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível <strong>de</strong><br />
revelar-se como sacralida<strong>de</strong> cósmica. O Cosmos na sua totalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> tornar-se uma<br />
hierofania”.<br />
A propósito do aspecto vivencial do sagrado, <strong>de</strong>staca o seguinte: "(...) o sagrado e<br />
o profano constituem duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser no mundo, duas situações existenciais<br />
assumidas pelo homem ao longo da sua história". O escritor romeno salienta que o estudo<br />
<strong>de</strong>ssas vivências interessa não só ao historiador das religiões, mas também "(...) a todo<br />
investigador <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> conhecer as dimensões possíveis da existência humana.” Embora na<br />
caracterização das vivências do sagrado e do profano, Mircea Elia<strong>de</strong> acuda a exemplos da<br />
história das religiões, o seu interesse inicial é i<strong>de</strong>ntificar as feições essenciais, arquetípicas,<br />
<strong>de</strong>las, notadamente da experiência religiosa. "O que nos interessa em primeiro lugar, – frisa<br />
Mircea Elia<strong>de</strong> – é apresentar as dimensões específicas da experiência religiosa, salientar as<br />
suas diferenças com a experiência profana do Mundo. Não insistiremos sobre os inumeráveis<br />
condicionamentos que a experiência religiosa do Mundo sofreu no curso do Tempo (...)”<br />
O homem religioso tem horror da homogeneida<strong>de</strong> do espaço profano. Desnorteiase<br />
nele. Per<strong>de</strong> ali o referencial. Assim como na nossa existência do dia-a-dia, na consolidação<br />
do nosso mundo particular, há espaços mais significativos do que outros, (a cida<strong>de</strong> dos<br />
primeiros amores, a terra natal, etc.), que nos permitem estruturar a nossa própria orientação,<br />
<strong>de</strong> forma semelhante para o homem religioso há a imperiosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar o<br />
espaço sagrado, a partir do qual possa se orientar no universo. Ora, a experiência <strong>de</strong>ssa<br />
necessida<strong>de</strong> é arquetípica. A respeito, frisa Mircea Elia<strong>de</strong>: "Digamos imediatamente que a<br />
experiência religiosa da não-homogeneida<strong>de</strong> do espaço constitui uma experiência primordial,<br />
homologável a uma ‘fundação do mundo’. Não se trata <strong>de</strong> uma especulação teórica, mas <strong>de</strong><br />
uma experiência religiosa primária, que prece<strong>de</strong> toda a reflexão sobre o mundo. É a ruptura<br />
(1) O título completo do livro é O sagrado e o profano: a essência das religiões. A edição original apareceu em<br />
francês. A tradução ao português foi efetivada pela Editora Livros do Brasil, <strong>de</strong> Lisboa. A edição brasileira é da<br />
Martins Fontes (1992).<br />
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