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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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transformar a família numa comunida<strong>de</strong> promiscua – e, portanto, inadministrável – , o que,<br />

certamente, teria impedido que <strong>de</strong>sempenhasse o papel fundamental <strong>de</strong> assegurar a<br />

sobrevivência da espécie humana.<br />

A proibição do incesto tem, em si mesmo, um elemento essencial na<br />

transformação da pessoa humana num ser moral. É a passagem da atração carnal (embora não<br />

<strong>de</strong> modo exclusivo, mas predominantemente sexual) em amor filial. A amiza<strong>de</strong>, (6) que é uma<br />

característica primordial da moralida<strong>de</strong>, é impensável sem essa dimensão do amor. Outro<br />

<strong>de</strong>sdobramento resi<strong>de</strong> no amor do próximo e <strong>de</strong> si mesmo, princípio básico do cristianismo.<br />

Aqui é possível estabelecer outro traço distintivo entre experiência moral e<br />

experiência religiosa. A apresentação que <strong>de</strong>la faz Rudolf Otto reveste-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

dramaticida<strong>de</strong>, como vimos. Sendo o absolutamente outro, a divinda<strong>de</strong> nos anula, esmaga,<br />

atemoriza. Ainda que possa ter carregado nas tintas, é incontestável que o medo faz parte da<br />

experiência religiosa. Em contrapartida, mesmo admitindo que, em parte da vida, no seio da<br />

família, a regra moral possa ser imposta pelo medo, se o indivíduo estancar nesse patamar está<br />

<strong>de</strong> antemão con<strong>de</strong>nado a jamais se encontrar como ser moral. A família po<strong>de</strong> permitir que se<br />

efetive aquela transição por ser o lugar on<strong>de</strong> o elemento repressivo acha-se associado ao afeto<br />

e ao carinho e, portanto, à sua aceitação <strong>de</strong> forma amorosa.<br />

E, assim, acredito haver chegado à outra componente da moral (a a<strong>de</strong>são<br />

voluntária), constante da <strong>de</strong>finição sugerida.<br />

Quanto ao conflito, por se tratar da esfera dos valores, suponho que se torna<br />

patente o seu significado se tivermos presente o processo histórico cultural, como pretendo<br />

<strong>de</strong>monstrar adiante.<br />

Com as consi<strong>de</strong>rações prece<strong>de</strong>ntes espero ter sistematizado <strong>de</strong> modo satisfatório<br />

as extraordinárias contribuições <strong>de</strong> Scheler e Gurvitch no tocante ã dimensão emocional da<br />

experiência moral. Ao fazê-lo, naturalmente não estou preten<strong>de</strong>ndo comparar-me àqueles<br />

gigantes do pensamento. O que imagino ter feito consiste apenas em haver tirado mo<strong>de</strong>stas<br />

conseqüências <strong>de</strong> sua obra imorredoura.<br />

Resta enfrentar o outro lado da experiência moral, que diz respeito ao conteúdo da<br />

moralida<strong>de</strong> propriamente dito, isto é, como se apropria do valor.<br />

O gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong> Scheler, além <strong>de</strong> colocar na or<strong>de</strong>m do dia o tema da<br />

experiência moral, consiste em ter buscado dissecar a questão dos valores.<br />

Este tema, com o qual esbarrou o neokantismo, levando ao <strong>de</strong>sdobramento<br />

culturalista, (7) mereceria particular consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> autores como Wilhelm Win<strong>de</strong>lband<br />

(1848/1915), Heinrich Rickert (1863/1936) e Emil Lask (1875/1915). Sintetizando as<br />

conquistas <strong>de</strong>sse ciclo, Win<strong>de</strong>lband formularia esta síntese: "A filosofia transcen<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong><br />

Kant é, nos seus resultados, a ciência dos princípios <strong>de</strong> tudo aquilo que nós hoje reunimos sob<br />

o nome <strong>de</strong> cultura". Max Weber ( 1864/1920), por seu turno, fez uma <strong>de</strong>scoberta perene ao<br />

<strong>de</strong>stacar não apenas o conflito entre valores mas igualmente a existência <strong>de</strong> duas propostas <strong>de</strong><br />

(6) Gauthier, o gran<strong>de</strong> estudioso da <strong>Ética</strong> a Nicômaco, conclui, consoante tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referir, que a<br />

doutrina aristotélica po<strong>de</strong> ser compreendida como ética da amiza<strong>de</strong>.<br />

(7) Cf. A Paim- Problemática do culturalismo, 2a edição, Porto Alegre, P~7CRS, 1995.<br />

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