17.04.2013 Views

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

versão abreviada, em dois volumes, veio a tornar-se um dos livros mais importantes do século<br />

XVIII. (1)<br />

Além do Dicionário, Bayle publicou diversos outros livros, no período <strong>de</strong><br />

Roterdam, todos em francês, entre estes Pensamentos diversos escritos a um doutor da<br />

Sorbonne por ocasião do cometa que apareceu no mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro (1681); Crítica geral da<br />

história do calvinismo <strong>de</strong> P. Maimbourg ( 1682) e Comentários filosóficos sobre estas<br />

palavras: obriga-nos a entrar (1686).<br />

Bayle colocou sua pena ao serviço da tolerância. Mas o fez <strong>de</strong> uma forma nova ao<br />

preten<strong>de</strong>r minar toda sorte <strong>de</strong> intolerância, a começar mesmo daqueles com os quais se<br />

i<strong>de</strong>ntificava em matéria <strong>de</strong> religião, os calvinistas. Suas polêmicas envolvem a estes,<br />

notadamente o pastor Jurieu, francês que com ele emigrara para Roterdam.<br />

O eixo <strong>de</strong> sua argumentação consistirá na tese <strong>de</strong> que as verda<strong>de</strong>s da religião<br />

repousam na providência divina e não na natureza humana. Cabe recorrer ao argumento <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>: Deus o disse e o permitiu Suas consi<strong>de</strong>rações sobre a imortalida<strong>de</strong> da alma, no<br />

Dicionário, esclarecem <strong>de</strong> modo preciso a sua posição. Ei-las: "Tu crês na imortalida<strong>de</strong> da<br />

alma porque tua razão assim mostra, enquanto eu, contra o meu sentir, creio que nossas almas<br />

são imortais porque nossa religião me or<strong>de</strong>na nisto acreditar. Consi<strong>de</strong>ra estas duas maneiras<br />

<strong>de</strong> sentir e confessarás, sem dúvida, que a minha é muito melhor." (Art. Perrot, nota I).<br />

Além <strong>de</strong> crer na autorida<strong>de</strong> divina, é imprescindível que não intervenha a<br />

autorida<strong>de</strong> humana para apreciar o seu valor. Parece a Bayle suficientemente comprovada a<br />

discrepância na interpretação da Escritura, não só entre católicos e protestantes mas no<br />

próprio seio <strong>de</strong>ssas crenças. Tanto a afirmação <strong>de</strong> que a certeza advém da unida<strong>de</strong> da tradição,<br />

assegurada pela Igreja Romana, como o método do livre exame, posto em circulação pelos<br />

protestantes, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram disputas intermináveis.<br />

Os dogmas são anti-racionais. A razão nada po<strong>de</strong> contra eles ou em seu favor. O<br />

homem os recebe por revelação. (2) Examinando a conclusão que Bayle infere <strong>de</strong> tais<br />

assertivas, Bréhier a aprecia do seguinte modo: "... como na aceitação ou no repúdio da<br />

revelação não intervém a filosofia, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve respeitar os homens que, em matéria<br />

religiosa, sejam antidogmáticos e até os ateus, opinião, sublinha Bréhier, muito atrevida<br />

naqueles tempos intolerantes".<br />

Não só atrevida como <strong>de</strong> enormes conseqüências porquanto o alvo principal <strong>de</strong><br />

Bayle consiste em dissociar a moral da religião, tornando a primeira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Compreen<strong>de</strong> que não era suficiente, em prol da tolerância, colocar as diversas igrejas acima<br />

<strong>de</strong> qualquer julgamento humano, – como afirma Locke ao <strong>de</strong>fini-las como "votadas ao culto<br />

externo da divinda<strong>de</strong>", só a esta cabendo julgar <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong> – sendo imprescindível<br />

buscar um entendimento da moralida<strong>de</strong> que a libertasse da tutela <strong>de</strong>ssa ou daquela seita.<br />

(1) Dessas edições, Paulo Mercadante possui a que se preparou em Berlim, em 1765 (Extrait du Dictionnaire<br />

Historique et Critique <strong>de</strong> Bayle, divisé en <strong>de</strong>ux volumes avec une preface. À Berlin, Chez Chrétien Fré<strong>de</strong>ric<br />

Voss, 1765, vol. I, 291 p.; vol. II, 413 p.).<br />

(2) O Dicionário contém um verbete sobre Pomponale (Pomponatius), que viveu no século XV e publicou um<br />

tratado sobre a imortalida<strong>de</strong> da alma, que suscitou uma gran<strong>de</strong> polêmica. Pomponale insistia em que semelhante<br />

proposição não se encontrava em Aristóteles, consoante afirmavam muitos <strong>de</strong> seus intérpretes. Apresenta, então,<br />

este argumento que causou em Bayle a mais funda impressão: "Ele <strong>de</strong>clara pois que acredita na imortalida<strong>de</strong> das<br />

almas e que está disposto a dar sua vida para sustentá-la mas porque Deus a revelou aos homens e não porque a<br />

luz natural o ensine." (Extrait, tomo segundo, p. 80).<br />

86

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!