Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Para respon<strong>de</strong>r à indagação, Otto formula o que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “lei da associação<br />
<strong>de</strong> sentimentos”. Eis a forma em que o autor explica essa lei: “Segundo uma conhecida lei<br />
fundamental da psicologia, as representações ‘se atraem’ e cada uma <strong>de</strong>las suscita a outra, <strong>de</strong><br />
forma que a faz entrar no terreno da consciência, quando ambas são, <strong>de</strong> alguma maneira,<br />
semelhantes. A mesma lei rege para os sentimentos. De igual modo, um sentimento po<strong>de</strong><br />
fazer ressoar outro parecido e dar ensejo a que eu sinta este outro. E assim como em virtu<strong>de</strong><br />
da lei da atração por semelhança, as representações chegam a se confundir, <strong>de</strong> forma que<br />
possuo a representação x em lugar da sua associada y, assim po<strong>de</strong>m produzir-se, .também,<br />
trocas e confusões <strong>de</strong> sentimentos. Posso respon<strong>de</strong>r a uma impressão com o sentimento x,<br />
quando a reação apropriada seria o sentimento y. Finalmente, posso passar <strong>de</strong> um sentimento<br />
a outro por trânsito gradual imperceptível, por que o sentimento x vai se <strong>de</strong>bilitando e<br />
apagando, na mesma intensida<strong>de</strong> com que aumenta e se fortalece o sentimento y, o seu<br />
concomitante (...)”.<br />
A "lei da associação <strong>de</strong> sentimentos", frisa Rudolf Otto, não <strong>de</strong>ve ser entendida<br />
em sentido evolucionista, como se um sentimento nascesse <strong>de</strong> outro, mas em sentido<br />
conjuntural: um sentimento x, para o qual o nosso espírito já estava predisposto, po<strong>de</strong> ensejar<br />
a vivência <strong>de</strong> um outro sentimento y, para o qual, igualmente, o nosso espírito já estava<br />
previamente disposto. É isso o que acontece no nascimento da consciência moral: o<br />
sentimento da obrigação consuetudinária, no seio da famí1ia ou da socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ensejar no<br />
espírito o surgimento do sentimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver que a todos obriga, não certamente em<br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a consciência do <strong>de</strong>ver moral seja engendrada a partir <strong>de</strong> uma imposição do<br />
costume, mas por se tratar <strong>de</strong> sentimentos semelhantes e, o que é mais importante, por estar o<br />
nosso espírito predisposto para vivenciar a experiência moral.<br />
Por este caminho, Rudolf Otto chega a assinalar a forma em que se <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r,<br />
quando se trata <strong>de</strong> indagar acerca da aparição do sentimento religioso. Pois bem – frisa o<br />
mencionado autor – igual que com o sentimento da obrigação moral, ocorre com o sentimento<br />
do numinoso. Não se <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> outro sentimento que por evolução nele se converta, mas é um<br />
sentimento peculiar, específico, que – certamente – guarda analogias com outros, e por essa<br />
razão po<strong>de</strong> ser suscitado por estes e chamado a se manifestar na consciência, assim como e1e<br />
po<strong>de</strong> provocar a aparição dos outros. Nossa tarefa consiste em indagar acerca <strong>de</strong> quais são<br />
estes estímulos quais são estes sentimentos que sugerem o do numinoso; em mostrar quais são<br />
as analogias e correspondências que perfazem a sugestão, ou seja, em <strong>de</strong>scobrir a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
estímulos, sob cujo influxo <strong>de</strong>sperta o sentimento do numinoso. Este método <strong>de</strong>ve substituir<br />
ao das construções e evoluções por epigênese, (1) no estudo do processo religioso.<br />
Mas a pesquisa em re1ação à forma em que aparece em nós o sentimento religioso<br />
<strong>de</strong>ve, no sentir <strong>de</strong> Rudolf Otto, ser completada por uma outra, que envere<strong>de</strong> pelo terreno das<br />
idéias que traduzem esse sentimento. Aqui o autor recorre à doutrina kantiana do<br />
esquematismo. Esta no que respeita ao tema que tratamos, po<strong>de</strong> ser sintetizada <strong>de</strong>sta forma:<br />
assim como po<strong>de</strong> haver uma associação <strong>de</strong> sentimentos que não seja apenas fortuita, mas que<br />
manifeste uma conexão permanente (tal a associação existente, por exemplo, entre o<br />
sentimento do numinoso e os sentimentos do tremendo, do majestático, da orgé), da mesma<br />
forma po<strong>de</strong> dar-se urna conexão necessária e intrínseca, proveniente <strong>de</strong> uma legítima<br />
coerência entre idéias afins. Um exemplo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> conexão a priori é, segundo Kant, a<br />
vinculação da categoria <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> (...) com o seu esquema temporal, ou seja, com a<br />
(1) Epigênese, para R. Otto, “(...) é o contrário <strong>de</strong> pré-formação; esta admite que as proprieda<strong>de</strong>s do ser adulto já<br />
estão pré-formados no germe (...)” (Ob. cit., p. 69-70, nota 1).<br />
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