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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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enunciados básicos <strong>de</strong> sua doutrina; a segunda consiste numa tentativa <strong>de</strong> dar forma<br />

sistemática àqueles enunciados, tentativa mal sucedida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que facultou interpretações na<br />

linha da metafísica tradicional, a exemplo da suposição <strong>de</strong> que estaria proporcionando uma<br />

nova <strong>de</strong>monstração da existência <strong>de</strong> Deus; e, a terceira, o reexame dos principais temas<br />

clássicos a que a idéia da virtu<strong>de</strong> esteve associada. Como o nosso objeto está circunscrito a<br />

uma questão específica, é suficiente que nos louvemos dos enunciados básicos contidos na<br />

Fundamentação da Metafísica dos Costumes.<br />

Antes <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-los diretamente, cumpre ter presente o contexto <strong>de</strong> sua<br />

meditação, o que certamente nos proporcionará uma compreensão mais a<strong>de</strong>quada do seu<br />

sentido principal. Kant formou o seu espírito num ambiente protestante muito rigoroso. Além<br />

disto, buscava superar os elementos dogmáticos, isto é, herdados da Filosofia Antiga<br />

presentes à filosofia oficial alemã <strong>de</strong> seu tempo. E, finalmente, posicionar-se diante da<br />

discussão ocorrida na Inglaterra, que estudamos prece<strong>de</strong>ntemente.<br />

A família <strong>de</strong> Kant era pietista, isto é, partidária do movimento <strong>de</strong> renovação da<br />

Igreja Luterana que teve lugar na Prússia e nos principados alemães no século XVII.<br />

Acreditava firmemente nos princípios religiosos em que fora educado e, portanto, tinha<br />

naturalmente a tendência a consi<strong>de</strong>rar o homem sem i<strong>de</strong>alizações, como um ser pecador e<br />

carente <strong>de</strong> salvação. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos rumos que conduziam o seu pensamento<br />

filosófico, tais convicções imunizavam-no contra algumas idéias postas em circulação pelo<br />

sistema Wolff-Leibniz, notadamente a <strong>de</strong>pendência do conhecimento racional em que <strong>de</strong>ixara<br />

a moralida<strong>de</strong>, mas também o impulsionava na direção <strong>de</strong> alcançar uma certa unida<strong>de</strong> entre os<br />

cristãos, acerca do tema, o que só po<strong>de</strong>ria advir <strong>de</strong> uma investigação racionalizante.<br />

Assim em 1863, muito antes <strong>de</strong> publicar a Crítica da Razão Pura, divulga um<br />

texto ("Investigação sobre a evidência dos princípios da Teologia Natural e da Moral") on<strong>de</strong><br />

afirma que a evidência dos princípios morais não é da mesma natureza da evidência<br />

matemática. Deste modo, mesmo antes <strong>de</strong> submeter a filosofia tradicional à sua crítica, em<br />

matéria <strong>de</strong> moral Kant, compreendia que não podia ter sua sorte vinculada à da "razão" na<br />

forma onipotente como a conceituava o racionalismo. Mais explicitamente, o conhecimento<br />

da lei moral não é condição suficiente para assegurar a sua prática. Os homens têm<br />

inclinações que os levam a violá-la.<br />

Deve a moralida<strong>de</strong> ficar na exclusiva <strong>de</strong>pendência da religião? Eis aí o tema<br />

central da meditação kantiana. À vista da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações do texto bíblico, a<br />

começar mesmo do texto que correspondia à explicitação do código moral cristão, o Decálogo<br />

<strong>de</strong> Moisés, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma interpretação unificadora.<br />

Se o sistema Wolff-Leibniz não fora bem sucedido ao tentá-lo, a circunstância não o<br />

<strong>de</strong>sobrigava <strong>de</strong> persistir na busca. Nesse ponto preciso é que o <strong>de</strong>bate ocorrido na Inglaterra<br />

serviu-lhe <strong>de</strong> fonte inspiradora.<br />

Kant tinha uma gran<strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com a filosofia inglesa, o que aliás era<br />

comum aos pensadores alemães <strong>de</strong> sua época. Des<strong>de</strong> 1714, com a ascensão <strong>de</strong> Jorge I<br />

(1660/1727) ao trono inglês, o país era governado pelos eleitores <strong>de</strong> Hanover, isto é, por um<br />

príncipe alemão, o que naturalmente <strong>de</strong>veria facilitar o intercâmbio cultural. Leibniz, por seu<br />

turno, entrara em polêmica com autores ingleses seus contemporâneos. O próprio Kant<br />

chegaria, em seus cursos, a aproximar algumas <strong>de</strong> suas convicções das idéias <strong>de</strong> pensadores<br />

ingleses como Shafsterbury, Hutcheson e Hume. No que respeita a Hume, foi o filósofo a que<br />

prestou o maior tributo, ao dizer que o <strong>de</strong>spertara do "sono dogmático'', isto é, do sistema<br />

Wolff-Leibniz, que não se distinguia nitidamente do pensamento antigo.<br />

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