Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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civilização que vivemos ou <strong>de</strong>sejaríamos viver, mas se <strong>de</strong>sdobra ou se objetiva através <strong>de</strong><br />
múltiplos ciclos, em uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> focos irradiantes". (10)<br />
Há uma segunda mediação: as tradições culturais constituídas no particular<br />
processo histórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados povos.<br />
O Oci<strong>de</strong>nte conheceu dois ciclos civilizatórios. O primeiro correspon<strong>de</strong> á<br />
socieda<strong>de</strong> feudal. A fusão do feudalismo com o cristianismo é que <strong>de</strong>u surgimento á cultura<br />
oci<strong>de</strong>ntal. A adoção do cristianismo pelo Império Romano não <strong>de</strong>u lugar a um ciclo histórico,<br />
duradouro, já que aquele Império <strong>de</strong>sapareceu mais adiante. Ao mesmo tempo, a simbiose<br />
entre a Igreja do Oriente e o Estado Patrimonial fez surgir a cultura bizantina.<br />
No ciclo civilizatório em questão, o valor mais alto é o Sagrado. A circunstância<br />
dificultou que se explicitasse <strong>de</strong> todo o caráter fundante da idéia <strong>de</strong> pessoa humana, que é a<br />
nota distintiva do cristianismo em face do judaísmo no seio do qual se gestou. Don<strong>de</strong> a<br />
singularida<strong>de</strong> do Renascimento que, se não chegou a constituir ciclo civilizatório autônomo,<br />
abriu caminho para nova hierarquização <strong>de</strong> valores.<br />
Rodolfo Mondolfo (l877/1976) ensinou-nos que, ao exaltar a pessoa humana – e<br />
afirmar, por exemplo, que do ponto <strong>de</strong> vista extensivo o entendimento humano quase nada<br />
representa em comparação com o divino, sob o aspecto intensivo iguala a certeza objetiva<br />
divina –, o Renascimento não apenas repete um tema clássico mas se contrapõe a uma<br />
tendência claramente expressa no pensamento medieval, isto é, "a exigência geral <strong>de</strong><br />
humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> parte do homem, afirmando sua <strong>de</strong>pendência da revelação e da autorida<strong>de</strong>". (11)<br />
Ao ser extrapolada a outras esferas da existência, aquela exigência <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> –<br />
legítima no contexto da experiência religiosa – <strong>de</strong>u origem a fenômenos alheios ao espírito do<br />
cristianismo, como a Inquisição, que promoveu aviltamento da pessoa humana somente<br />
equiparável às práticas do totalitarismo soviético. A referência dá bem uma idéia da<br />
objetivida<strong>de</strong> do conflito entre valores.<br />
O segundo ciclo civilizatório do 0ci<strong>de</strong>nte equivale à socieda<strong>de</strong> industrial.<br />
Ao caracterizarmos, na Parte II, como se <strong>de</strong>u o surgimento da moral social, na<br />
nova socieda<strong>de</strong> emergente, tornamos patente a intensida<strong>de</strong> do conflito entre valores, resultante<br />
do pluralismo religioso, a ponto da mudança <strong>de</strong> algum principio relevante da moralida<strong>de</strong><br />
social pressupor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, a busca prévia <strong>de</strong> consenso.<br />
A alteração substancial não alcança, <strong>de</strong> imediato, a revalorização da pessoa<br />
humana. O embate direciona-se ao que diz respeito à valorização do trabalho e,<br />
subsidiariamente, da riqueza. Como o conflito, no plano religioso, começa pelo próprio texto<br />
básico da moralida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal – o abandono pela Igreja Romana do segundo dos Dez<br />
Mandamentos <strong>de</strong> Moisés, relativo à adoração <strong>de</strong> imagens, para tomar um exemplo mais<br />
simples – Kant buscou dar fundamento racional à moralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo a preservar sua<br />
inteireza sem embargo da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconciliação religiosa. E o fez reivindicando<br />
caráter absoluto para o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana introduzido no Oci<strong>de</strong>nte pelo cristianismo.<br />
Como se tratou <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al, a ser buscado - e que indica também jamais será atingido, como<br />
se vê da sua referência, que tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transcrever, quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos<br />
(10) Introdução à filosofia, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 183.<br />
(11) Figuras e i<strong>de</strong>as <strong>de</strong> la filosofia <strong>de</strong>l Renascimiento, Buenos Aires, Ed. Losada, pág. 237 (tradução brasileira,<br />
São Paulo, Mestre Jou, 1967, pág. 206).<br />
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