Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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para o direito (positivo), as regras morais que o sustentam assumem feição impositiva,<br />
coagindo exteriormente. As imposições <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal distinguem-se claramente daquelas <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m moral. Os dois planos são permeados, entretanto, pela incontestável objetivida<strong>de</strong><br />
assumida, no Oci<strong>de</strong>nte, pelo código moral judaico-cristão. Kant <strong>de</strong>parou-se com o mesmo<br />
problema e solucionou-o resumindo magistralmente os <strong>de</strong>z mandamentos no enunciado do<br />
imperativo categórico, isto é, apontando para o fato <strong>de</strong> que colocaram em circulação um i<strong>de</strong>al<br />
<strong>de</strong> pessoa humana, inspirando-se talvez em Butler. (15)<br />
Na seqüência da Filosofia do Direito, em que se dá a passagem da moralida<strong>de</strong><br />
subjetiva para a moralida<strong>de</strong> objetiva, Hegel distingue Moralish <strong>de</strong> Sttlichkeit. Kant emprega<br />
esta última palavra na acepção usual <strong>de</strong> costume (a metafísica dos costumes é Metaphysik <strong>de</strong>s<br />
Sitten). Hegel atribui-lhe sentido inteiramente distinto. Enquanto a moralish (moralida<strong>de</strong>),<br />
como vimos, é a vonta<strong>de</strong> subjetiva (individual ou privada), a sittlichkeit (que diversos autores<br />
traduziram por eticida<strong>de</strong>) é a realização do bem em realida<strong>de</strong>s históricas ou institucionais,<br />
equivalentes à família, à socieda<strong>de</strong> civil e ao Estado. Na acepção <strong>de</strong> Hegel, “é o conceito <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> que se tornou mundo existente e natureza da autoconsciência”.<br />
A moralida<strong>de</strong> objetiva (eticida<strong>de</strong>) correspon<strong>de</strong> à existência concreta <strong>de</strong><br />
comunida<strong>de</strong>s humanas que não se alçaram à reflexão filosófica para fixar as regras <strong>de</strong> seu<br />
funcionamento. Aqui as coisas são como são e não como <strong>de</strong>veriam ser. Tornando-as seu<br />
objeto, o filósofo (Hegel, no caso) po<strong>de</strong> fazer afirmativas <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> universal, isto é, dizer<br />
como as coisas são e não apenas como <strong>de</strong>veriam ser.<br />
No primeiro nível <strong>de</strong> realização do bem aparece a família, que se atualiza no<br />
casamento, conduzindo à formação <strong>de</strong> um patrimônio e ao nascimento dos filhos. Justamente<br />
por intermédio <strong>de</strong>stes tem lugar seu <strong>de</strong>senvolvimento e superação. Os filhos não permanecem<br />
crianças; crescem e acabam por constituir nova família. Assim, não há a família, mas diversas<br />
famílias, restando aquela como uma simples forma. As famílias são instadas a organizar-se<br />
com vistas à luta pela subsistência, dando origem à socieda<strong>de</strong> civil.<br />
Na tradição liberal iniciada por Locke e Kant, a socieda<strong>de</strong> civil dá nascedouro ao<br />
estado <strong>de</strong> Direito, fixa-lhe regras <strong>de</strong> funcionamento, subordina-o e, <strong>de</strong> certa forma, integra-o à<br />
própria socieda<strong>de</strong>. Em Hegel, a socieda<strong>de</strong> civil correspon<strong>de</strong> ao “sistema das necessida<strong>de</strong>s”, à<br />
esfera do aparelho produtivo, ao império dos interesses e, portanto, ao predomínio da luta e da<br />
disputa. Não seria o campo próprio para o florescimento da moralida<strong>de</strong>.<br />
A realização plena da moralida<strong>de</strong> dá-se com o Estado. Na Filosofia do Direito,<br />
Hegel trata da Constituição e do papel dos funcionários que, no seu esquema, são os<br />
portadores da racionalida<strong>de</strong>.<br />
A questão do en<strong>de</strong>usamento do Estado por Hegel suscitou longas disputas, alguns<br />
consi<strong>de</strong>rando-o partidário do autoritarismo prussiano, outros afirmando a sua condição <strong>de</strong><br />
liberal. O exame <strong>de</strong>sse aspecto nos distanciaria <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong> nossos objetivos. Embora seja<br />
possível reconstituir o pensamento político <strong>de</strong> Hegel e discuti-lo especificamente, não se po<strong>de</strong><br />
ignorar que, no seu sistema, procura colocar-se naquele plano que Kant <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong><br />
numenal, isto é, puramente racional. Quanto às relações <strong>de</strong>sse plano com o processo histórico,<br />
o próprio Hegel, precisamente na Filosofia do Direito, <strong>de</strong>ixou-nos a advertência transcrita<br />
prece<strong>de</strong>ntemente mas que vale recordar:<br />
(15) Examinamos mais <strong>de</strong>tidamente o tema da objetivida<strong>de</strong> do código e da subjetivida<strong>de</strong> da moral no textos<br />
Mo<strong>de</strong>los éticos -–introdução ao estudo da moral (Champagnat-Ibrasa, São Paulo, 1992), tema igualmente<br />
abordado na Primeira Parte.<br />
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