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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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Para que a problemática moral aflorasse a primeiro plano, o que se verifica<br />

notadamente a partir da segunda meta<strong>de</strong> do século, seria imprescindível, a par da tolerância<br />

religiosa, que os temas <strong>de</strong> interesse exclusivamente religioso <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> monopolizar as<br />

atenções, o que parece ter <strong>de</strong> fato ocorrido.<br />

Nos começos do século, embora já aflorassem textos com a intenção <strong>de</strong> discutir a<br />

questão moral tomada em si mesma havendo concomitantemente preocupação com o<br />

comportamento social das pessoas, como teremos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver mais <strong>de</strong>tidamente no<br />

capítulo seguinte –, o empenho <strong>de</strong> "purificação" da Igreja Anglicana estava longe <strong>de</strong> haver<br />

<strong>de</strong>saparecido e durante um certo período o tema da religião natural alcança a preferência.<br />

Diz-se ser natural a religião que, brotando espontaneamente, seja ao mesmo<br />

tempo uma espécie <strong>de</strong> síntese <strong>de</strong> todas as religiões em disputa. Para <strong>de</strong>scobri-lo é suficiente<br />

proce<strong>de</strong>r ao reexame dos dogmas, rejeitando aqueles que se contraponham diretamente à<br />

razão e não cheguem a alcançar universalida<strong>de</strong>. Trata-se, portanto, do esforço em prol <strong>de</strong> uma<br />

religião racional, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> componentes emotivos..<br />

Essa idéia encontra-se no livro Christianity not misterious (1696) <strong>de</strong> John Toland<br />

(1670/1722) e ensejou o aparecimento <strong>de</strong> bibliografia significativa até mais ou menos os fins<br />

dos anos vinte e começos dos anos trinta. Entre os que alcançariam maior nomeada,<br />

sobressaem Anthony Collins (1676/1729), que, <strong>de</strong> 1707 a 1709, publicou nada menos que sete<br />

livros – dos quais alcançou maior sucesso A Discourse on Freethinking (1713) – combatendo<br />

as extravagâncias da Bíblia e, em geral, a superstição e a tentativa <strong>de</strong> impor interpretações<br />

oficiais, a pretexto <strong>de</strong> combater opiniões perigosas, tendo saudado "o nascimento e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma seita chamada <strong>de</strong> livres pensadores"; Thomas Woolstron<br />

(1669/1713), autor do livro The Mo<strong>de</strong>rator between an Infi<strong>de</strong>l and an Apostate (1725), on<strong>de</strong><br />

sugere uma interpretação alegórica dos milagres e da ressurreição <strong>de</strong> Cristo; e Mathews<br />

Tindall (1636/1733), cuja obra Christianity as Old as Creation (1730), preten<strong>de</strong> provar a<br />

perfeita coincidência entre a religião natural e a religião revelada; e diversos outros.<br />

A popularida<strong>de</strong> alcançada pelo tema da religião natural, na Inglaterra dos começos<br />

do século XVIII, talvez possa ser atribuída a Samuel Clarke (1675/1729), em <strong>de</strong>corrência do<br />

<strong>de</strong>bate público em que se envolveu com Leibniz (1646/1716). Clérigo <strong>de</strong> Londres, amigo <strong>de</strong><br />

Newton, Clarke contesta a tese <strong>de</strong> Leibniz segundo a qual a física <strong>de</strong> Newton se contrapunha à<br />

religião natural. Avança, entre outros, o seguinte argumento:<br />

"Os materialistas supõem que a estrutura das coisas é tal que tudo po<strong>de</strong> nascer dos<br />

princípios mecânicos da matéria e do movimento, da necessida<strong>de</strong> e do <strong>de</strong>stino; os princípios<br />

matemáticos da filosofia mostram, ao contrário, que o estado das coisas (a constituição do Sol<br />

e dos planetas) dá-se <strong>de</strong> uma forma que não po<strong>de</strong> nascer senão <strong>de</strong> uma causa inteligente."<br />

As duas personalida<strong>de</strong>s trocaram cartas entre 1715 e 1716, transcritas na imprensa<br />

da época com gran<strong>de</strong> repercussão. (10)<br />

O interesse pela religião natural, na Inglaterra, reduz-se gran<strong>de</strong>mente a partir dos<br />

anos trinta, passando ao continente, on<strong>de</strong> alcançaria amplo <strong>de</strong>sdobramento na meditação <strong>de</strong><br />

Voltaire (1694/1772) e dos enciclopedistas, indo entroncar com o i<strong>de</strong>alismo alemão. O tema<br />

voltaria ainda à atualida<strong>de</strong>, no século XIX, na França e em Portugal, mas não teria sentido<br />

(10) São <strong>de</strong>z cartas ao todo, cinco <strong>de</strong> cada um, tendo sido incluídas na tradução francesa preparada por Paul Janet<br />

(Oeuvres philosophiques <strong>de</strong> Leibniz, Paris, Alcan, 1900, p. 732-816).<br />

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