Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
dívida da cultura oci<strong>de</strong>ntal para com a religião judaica-cristã, privilegiando o profetismo<br />
bíblico, no judaísmo antigo, e a ética puritana, nos tempos mo<strong>de</strong>rnos. (3)<br />
Contudo, trata-se <strong>de</strong> dar coroamento ao projeto fundamental da Época Mo<strong>de</strong>rna<br />
<strong>de</strong> fixar, racionalmente, a autonomia da moral. Por isto mesmo, começa por efetivar uma<br />
reavaliação do caminho percorrido, isto é, da ética kantiana.<br />
Max Weber refuta a crença <strong>de</strong> que o imperativo categórico estabelecido por Kant<br />
consistisse em algo puramente formal, no sentido <strong>de</strong> que estivesse distanciado da vida<br />
cotidiana. Ao invés disso, indicou expressamente sua gran<strong>de</strong> eficácia, com o que,<br />
conseqüentemente, o incorpora à ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Weber trata <strong>de</strong>sse aspecto no "Ensaio sobre o sentido da ‘neutralida<strong>de</strong> axiológica’<br />
nas ciências sociológicas e econômicas", escrito em 1917. O ensaio ocupa-se da controvérsia<br />
acerca das avaliações morais, para resolver alguns problemas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> atualida<strong>de</strong> não só<br />
para o estabelecimento da sociologia como ciência mas igualmente no que se refere à postura<br />
do responsável pela transmissão do saber a partir do magistério.<br />
As controvérsias sobre avaliações não po<strong>de</strong>m ser resolvidas cientificamente, isto<br />
é, não há procedimentos científicos, isto é, <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> universal, que possam justificar essa<br />
ou aquela a<strong>de</strong>são a <strong>de</strong>terminado valor. Essa a<strong>de</strong>são correspon<strong>de</strong> a uma escolha <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
pessoal. Weber não quer dizer que as controvérsias sobre avaliações sejam estéreis e<br />
<strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> sentido. Apenas busca enfatizar que não po<strong>de</strong>m preten<strong>de</strong>r dirimir o conflito<br />
mas tão somente "apreen<strong>de</strong>r o que o interlocutor ou nós mesmos almeja realmente, isto é,<br />
compreen<strong>de</strong>r o valor que se encontra realmente em jogo entre as duas partes, tornando assim<br />
possível uma tomada <strong>de</strong> posição acerca <strong>de</strong>sse valor".<br />
Seu posicionamento no que se refere ao imperativo categórico dá-se no momento<br />
em que confronta o que irá <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> "ética <strong>de</strong> convicção" com o que chamou <strong>de</strong> "ética <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>", confronto a que voltaria num outro ensaio, quando estuda a vocação do<br />
político. Pergunta Weber: a convicção é suficiente para justificar <strong>de</strong>terminado comportamento<br />
– caso em que a máxima, tratando-se <strong>de</strong> religioso, seria esta: "o cristão <strong>de</strong>ve agir com retidão<br />
e para o sucesso <strong>de</strong> sua ação sujeita-se às <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> Deus" – ou <strong>de</strong>ve-se levar em<br />
consi<strong>de</strong>ração a responsabilida<strong>de</strong> pelas conseqüências previsíveis?<br />
Ao que respon<strong>de</strong>: "Ambas as máximas têm um caráter rigorosamente formal e<br />
nisto são análogas aos axiomas conhecidos da Crítica da Razão Prática. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
caráter cremos freqüentemente que elas não forneçam, quanto ao conteúdo, qualquer<br />
indicação própria a uma apreciação da ativida<strong>de</strong>. Como já dissemos, isto é inexato." Segue-se<br />
o texto a que nos referimos prece<strong>de</strong>ntemente mas que voltamos a transcrever em prol da<br />
clareza da exposição. Ei-lo:<br />
“Tomemos <strong>de</strong>liberadamente um exemplo bastante distanciado <strong>de</strong> qualquer<br />
‘política’ <strong>de</strong> modo a nos permitir compreen<strong>de</strong>r claramente qual é, no fundo, a significação do<br />
caráter ‘puramente formal’ da ética kantiana sobre a qual tanto se <strong>de</strong>bate. Suponhamos que<br />
um homem faça a respeito <strong>de</strong> suas relações sexuais a seguinte espécie <strong>de</strong> confidência a uma<br />
mulher: ‘No início, nossa relação era uma paixão, e agora ela constitui-se em um valor’. De<br />
acordo com o espírito mo<strong>de</strong>rado e <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> calor da ética kantiana, po<strong>de</strong>ríamos<br />
(3) Para o primeiro aspecto veja-se o cap. VII – Socieda<strong>de</strong> e religião na Palestina Antiga, da obra <strong>de</strong> Reinhard<br />
Bendix -–Max Weber, um perfil intelectual (UnB, 1986) e, para o segundo, a conhecida obra do autor A <strong>Ética</strong><br />
Protestante e o Espírito do Capitalismo.<br />
143