17.04.2013 Views

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

operada no espaço que permite a constituição do mundo, porque é ela que <strong>de</strong>scobre o ‘ponto<br />

fixo’, o eixo centra! <strong>de</strong> toda a orientação futura. Quando o sagrado se manifesta por uma<br />

qualquer hierofania, não só há ruptura na homogeneida<strong>de</strong> do espaço, mas há também<br />

revelação <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> absoluta, que se opõe à não-realida<strong>de</strong> da imensa extensão<br />

envolvente. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo (...)”<br />

Assim como o homem religioso procura sacralizar o espaço, insere-se sua<br />

existência, também, no contexto <strong>de</strong> um tempo sagrado, tempo primordial, raiz ontológica do<br />

tempo profano, do dia-a-dia. “É – frisa Mircea Elia<strong>de</strong> – um tempo ontológico por excelência,<br />

‘parmenidiano’ (2) ; mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota. Com cada<br />

festa periódica reencontra-se o mesmo tempo sagrado – o mesmo que se manifestara na festa<br />

do ano prece<strong>de</strong>nte ou na festa <strong>de</strong> há um século; é um tempo criado e santificado pelos <strong>de</strong>uses<br />

quando das suas gesta, que são justamente reatualizadas pela festa. Por outros termos,<br />

reencontra-se na festa a primeira aparição do tempo sagrado, tal qual ela se efetuou ab<br />

origine, in illo tempore. (...) Criando as diferentes realida<strong>de</strong>s que constituem hoje o mundo,<br />

os Deuses fundavam igualmente o tempo sagrado, visto que o tempo contemporâneo <strong>de</strong> uma<br />

criação era necessariamente santificado pela presença e a ativida<strong>de</strong> divinas”.<br />

Daí a importância <strong>de</strong>finitiva que as Festas representam para o religioso. Porque<br />

são elas, sem dúvida, os momentos sagrados que consagram o sentido da vida humana,<br />

inserindo-a num contexto sacral. "Na festa – frisa Mircea Elia<strong>de</strong> – reencontra-se plenamente a<br />

dimensão sagrada da Vida, experimenta-se a santida<strong>de</strong> da existência humana como criação<br />

divina. No resto do tempo, há sempre o risco <strong>de</strong> esquecer o que é fundamental: que a<br />

existência não é ‘dada’ por aquilo que os mo<strong>de</strong>rnos chamam ‘Natureza’, mas sim que é uma<br />

criação dos Outros, os Deuses ou os seres semidivinos. Mas nas festas reencontra-se, a<br />

dimensão sagrada da existência, tornando-se a apren<strong>de</strong>r como é que os Deuses ou os<br />

Antepassados míticos criaram o homem e lhe ensinaram os diversos comportamentos sociais<br />

e os trabalhos práticos.<br />

Elia<strong>de</strong> apresenta exemplos edificantes da permanência, em nossa vida cotidiana,<br />

<strong>de</strong>ssas experiências primordiais. A título <strong>de</strong> exemplo, basta referir que, no sentir <strong>de</strong> Mircea<br />

Elia<strong>de</strong>, a experiência primeira do espaço sagrado constitui a base a partir da qual se<br />

<strong>de</strong>senvolve a arquitetura urbana, domiciliar e religiosa. "A arquitetura sacra – frisa o nosso<br />

autor – não faz mais portanto do que retomar e <strong>de</strong>senvolver o simbolismo cosmológico já<br />

presente na estrutura das habitações primitivas. Por seu turno a habitação humana fora<br />

precedida cronologicamente pelo ‘lugar santo’ provisório, pelo espaço provisoriamente<br />

consagrado e cosmisado (...). Isto é o mesmo que dizer que todos os símbolos e rituais<br />

concernentes aos templos, às cida<strong>de</strong>s e às casas <strong>de</strong>rivam, em última instância, da experiência<br />

primária do espaço sagrado”.<br />

Do que se indicou prece<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se urna caraterística do conteúdo<br />

transmitido pelo mito, que forma parte da mentalida<strong>de</strong> do homem religioso: para ele, nas<br />

palavras <strong>de</strong> Mircea Elia<strong>de</strong>, "(...) o essencial prece<strong>de</strong> à existência. Isto é verda<strong>de</strong> tanto para o<br />

homem das socieda<strong>de</strong>s ‘primitivas’' e orientais como para o ju<strong>de</strong>u, o cristão e o muçulmano.<br />

O homem é aquilo que é hoje porque urna série <strong>de</strong> acontecimentos ocorreram ab origine. Os<br />

mitos contam-lhe esses acontecimentos e, ao fazê-lo, explicam-lhe como e por que razão ele<br />

foi constituído <strong>de</strong>sse modo. Para o religioso, a existência real, autêntica, começa no momento<br />

em que recebe a comunicação <strong>de</strong>ssa história primordial e assume as suas conseqüências. Há<br />

(2) Refere-se a Parmêni<strong>de</strong>s, filósofo grego (515-440 a.C.), consi<strong>de</strong>rado o primeiro a afirmar a existência <strong>de</strong> uma<br />

permanência naquilo que aparece, idéia que mereceria gran<strong>de</strong> elaboração tanto em Platão como em Aristóteles.<br />

179

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!