Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Paul Hazard consi<strong>de</strong>ra que Pierre Bayle (1647/1707) foi o primeiro pensador a<br />
afirmar, <strong>de</strong> modo radical, a in<strong>de</strong>pendência entre moral e religião. Escreve Hazard:<br />
"Estabelecidas a prova e a contra prova, Bayle chega ao termo <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>monstração: religião,<br />
moralida<strong>de</strong>, longe <strong>de</strong> serem indissociáveis, são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes; po<strong>de</strong>-se ser religioso sem ser<br />
moral; po<strong>de</strong>-se ser moral sem ser religioso. Um ateu que vive virtuosamente não é um<br />
monstro que suplanta as forças da natureza" (La crise <strong>de</strong> la conscience européenne –<br />
1680/1715. Paris, Gallimard, 1961, vol. 2, pág. 68).<br />
Bayle foi vítima da intolerância religiosa que se abateu sobre a França, na segunda<br />
meta<strong>de</strong> do século XVII, quando os protestantes eram expulsos do país ou obrigados a<br />
converter-se. Por isto mesmo <strong>de</strong>dicou sua obra – volumosa e diversificada e que culmina com<br />
o Dicionário histórico-crítico (1697) – a dar fundamentos mais sólidos à tolerância. Neste<br />
sentido, como observa Brehier, a crítica <strong>de</strong> Bayle <strong>de</strong>sfaz sistematicamente a pretendida<br />
conexão dos principais dogmas religiosos com as necessida<strong>de</strong>s fundamentais da razão e da<br />
moralida<strong>de</strong>. Ao que acrescenta: "Os dogmas são anti-racionais; em relação a eles, a razão<br />
nada tem a fazer, nem pró nem contra; o homem os recebe por revelação e, como na aceitação<br />
ou repúdio da revelação não intervém a filosofia, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve respeitar os homens que<br />
em matéria religiosa sejam antidogmáticos e até os ateus, opinião muito atrevida naqueles<br />
tempos intolerantes" (História da filosofia, tradução espanhola, 4ª edição, Buenos Aires, Ed.<br />
Sudamericana, 1956, vol. II, pág. 747).<br />
A rigor, o problema da organização da socieda<strong>de</strong> sem a tutela da Igreja não se<br />
circunscrevia à moral. No plano político, a guerra civil inglesa e a fracassada experiência <strong>de</strong><br />
Cromwel, no século XVII, tiveram como corolário a meditação resumida por Locke no<br />
Segundo <strong>Tratado</strong> do Governo Civil, instrumento que permitiu a unificação dos pontos <strong>de</strong> vista<br />
da elite e o início da prática do sistema representativo com a Revolução <strong>de</strong> 1689.<br />
O próprio Locke teria oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apontar o passo seguinte ao escrever, no<br />
Ensaio sobre o entendimento humano, que, "com exceção dos <strong>de</strong>veres que são absolutamente<br />
necessários à conservação da socieda<strong>de</strong> humana, não se po<strong>de</strong>ria indicar nenhum princípio <strong>de</strong><br />
moral, nem imaginar nenhuma regra <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> que em toda parte do mundo não seja<br />
<strong>de</strong>sprezada ou contraditada pela prática generalizada <strong>de</strong> algumas socieda<strong>de</strong>s inteiras". Ao que<br />
observa Hazard: "Aqui aparece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova moral; <strong>de</strong> moral que nada tenha<br />
<strong>de</strong> inato, nem mesmo a idéia do bem ou do mal mas que seja legítima e necessária, pois que<br />
teria o encargo <strong>de</strong> manter nossa existência coletiva." (Obra citada, vol. cit., pág. 82).<br />
Caberia a um discípulo seu, segundo Hazard, popularizar a tese <strong>de</strong> que a moral é<br />
essencialmente social. Este seria Anthony Ashley Cooper (1671/1713), con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Shafsterbury, filho <strong>de</strong> Lord Shafsterbury, o famoso homem <strong>de</strong> Estado do século XVII que<br />
protegera Locke e o estimulara na concepção do sistema representativo. Anthony Cooper<br />
tivera Locke como seu preceptor. No seu famoso texto A Letter Concerning Enthusiasm<br />
(1708) sobressai o caráter imperativo do estabelecimento da moralida<strong>de</strong> social.<br />
Anthony Cooper acredita em inclinações sociais, dirigidas, em cada espécie<br />
animal, para o bem da espécie. Estas inclinações são obra <strong>de</strong> uma providência e mantêm a<br />
harmonia perfeita da or<strong>de</strong>m universal. O homem possui um "sentido moral" que o faz<br />
conhecer o bem e o mal. Dando sistematização a essas idéias, Francis Hutcheson (1694/1746)<br />
inicia na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow a tradição <strong>de</strong> erigir ao sentimento como critério da<br />
moralida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong> que dá conta no livro An Inquiry into the Originals of our I<strong>de</strong>as of<br />
Beauty and Virtue ( 1725). Discípulo <strong>de</strong> Hutcheson seria Adam Smith (1723/1790), professor<br />
<strong>de</strong> moral na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow e que, embora tornado famoso pela Riqueza das<br />
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