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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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III. A SINGULARIDADE DA EXPERIÊNCIA MORAL<br />

l. Imperativo <strong>de</strong> distinguir experiência moral <strong>de</strong> experiência religiosa<br />

Para melhor esclarecimento da questão, cumpriria admitir que não po<strong>de</strong>m ser<br />

confundidas a experiência mística com a experiência religiosa propriamente dita.<br />

A experiência mística consiste num contato pessoal com o Absoluto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

do fato <strong>de</strong> que possa ser i<strong>de</strong>ntificado seja com a tradição católica seja com a tradição<br />

protestante. No primeiro caso, o Absoluto po<strong>de</strong> assumir feição concreta, por exemplo, numa<br />

das imagens <strong>de</strong> Jesus Cristo popularizadas no meio correspon<strong>de</strong>nte.<br />

Suponho que William James brindou-nos com um critério rigoroso para aferir o<br />

que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> da experiência em causa. Como vimos, trata-se <strong>de</strong><br />

verificar se produziu mudança <strong>de</strong> comportamento e <strong>de</strong> posicionamento em face da vida. O<br />

exemplo <strong>de</strong> Teresa <strong>de</strong> Ávila (1515/1582), que invoca, é <strong>de</strong>veras edificante. A experiência<br />

mística dotou-a <strong>de</strong> uma energia extraordinária, levando-a a promover reforma sem<br />

prece<strong>de</strong>ntes na or<strong>de</strong>m religiosa a que pertencia, além <strong>de</strong> ter sabido expressar a espiritualida<strong>de</strong><br />

adquirida em textos magníficos.<br />

Como indicou James, a experiência mística, se não <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>squalificada –<br />

sobretudo por sua significação moral –, tampouco atribui valida<strong>de</strong> às disciplinas do tipo da<br />

teologia, isto é, que preten<strong>de</strong>m esclarecer em que consistiria precisamente a divinda<strong>de</strong>,<br />

atribuindo a esse "conhecimento" valida<strong>de</strong> próxima à conquistada pela ciência.<br />

Em conclusão, a experiência mística é dada a poucos.<br />

Por sua vez, a experiência religiosa não é dada a todos. Vale dizer, não se coloca<br />

no polo oposto como <strong>de</strong>veria ocorrer com a experiência mística.<br />

A experiência religiosa consiste na tranqüila aceitação <strong>de</strong> que existe a divinda<strong>de</strong>,<br />

sem o que a mundanida<strong>de</strong> per<strong>de</strong> o sentido. É certo que essa aceitação não é unânime nem<br />

universal. (1) Ainda assim, po<strong>de</strong>-se afirmar que o não reconhecimento do sagrado em seu lugar<br />

próprio (2) muito provavelmente levará quem o faz a colocá-lo num plano impróprio. No<br />

século XX, o Oci<strong>de</strong>nte viveu a tragédia dos totalitarismos nazista e soviético. As pessoas que<br />

o aceitaram – e, lamentavelmente, ainda há quem os aceite – simplesmente <strong>de</strong>slocaram o culto<br />

do sagrado para o plano político. Ora este é justamente a esfera da barganha e da negociação<br />

entre interesses conflitantes. Tomar esse ou aquele interesse como absoluto, inegociável,<br />

revestido <strong>de</strong> sacralida<strong>de</strong>, levará inevitavelmente à intolerância. Subsidiariamente, o fato serve<br />

para evi<strong>de</strong>nciar o caráter mobilizador do sagrado. Ignorá-lo equivale a autêntico risco<br />

existencial.<br />

Como se adquire a tranqüila aceitação da existência da divinda<strong>de</strong> ou, mais<br />

precisamente, experiência religiosa? Basicamente pelo hábito. Este, mais das vezes, provém<br />

(1) Tenho presente que, como venho reiterando, ocupo-me da experiência moral no contexto da cultura oci<strong>de</strong>ntal,<br />

on<strong>de</strong> teve lugar a conquista da tolerância em matéria religiosa.<br />

(2) Aceito plenamente a tese <strong>de</strong> Elia<strong>de</strong> segundo a qual a essência da religião resi<strong>de</strong> no sagrado, incumbindo a este<br />

proporcionar sentido à existência.<br />

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